BRASIL - O PT espera que seja o próprio Lula a governar o Brasil,
se o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral permitirem que
ele seja candidato, e a sua enorme intenção de voto se transforme em realidade.
Mas é Haddad quem está dando a cara, neste momento, ao anseio do partido de
voltar ao poder.
O ex-prefeito está
treinado para negar as especulações sobre o seu nome. “Só existe plano A [com
Lula candidato na cédula]”, repete ele sistematicamente, numa frase pouco
crível para quem tem como mentor um animal político como Lula.
Pelo sim pelo não, a
realidade vai se impor no próximo dia 17 de setembro, data limite para o TSE
dar o veredito para o futuro de Lula e do PT nesta eleição. Faltarão, então, só
20 dias para o primeiro turno da eleição, quando ou ele ou outro nome do
partido deverão se apresentar no lugar do ex-presidente. Ou, como alternativa,
apoiar outro candidato.
Pergunta. Você, como coordenador da campanha do PT à
presidência, e diante da possibilidade de que o PT tenha de escolher um nome
para suceder Lula, é naturalmente associado ao papel de sucessor do candidato
do ex-presidente caso ele seja impedido de concorrer.
Resposta. Essa conversa não existe dentro do PT.
P. Por enquanto.
R. Nem
existirá. O PT vai registrar o Lula dia 15 [de agosto] e vai lutar,
tanto no TSE, como no Supremo, para viabilizar a candidatura dele. Esse é o
plano A e único.
O sistema político em
crise de legitimidade enfrenta agora o ‘vácuo Lula’
Convenções dos partidos
ganham holofotes inéditos com dúvidas sobre alianças
P. [O ex-secretário de Cultura e ex-vereador] Nabil Bonduki escreveu um artigo na Folhanesta terça,
cobrando do partido que seja coerente com a própria tese do golpe de que o Lula
será impedido de concorrer, sugerindo que outro nome seja apresentando, pois
faltam 75 dias para a eleição. Não faz sentido?
R. Mas o que sabemos...
A jurisprudência do TSE consolidada até aqui garante o registro pelo artigo da
lei eleitoral. Por que daríamos como certo que essa jurisprudência irá mudar?
Essa é a pergunta que o Lula se faz e eu me faço. Por que vamos dar como certa
a mudança da jurisprudência até aqui?
P. Porque a Justiça não
tem sido...
R. Imparcial?
P. Garantista, como foi
até pouco tempo atrás.
R. Sim, mas se o que
você está dizendo é verdade, menos ainda podemos convalidar uma mudança
completa de postura em relação aos processos.
P. Se esse
processo demorar, e estiver muito em cima, não sei até que ponto o TSE pode
estender a resposta a esse processo. Corre o risco do PT ficar fora de uma
eleição? Com tão pouco tempo de troca?
R. Não posso antecipar
movimentos do Judiciário. Quem poderia esperar que o TRF-4 agisse como agiu, em
relação ao Lula, aos prazos, à tipificação do crime de lavagem de dinheiro que,
para dizer o mínimo, foi absolutamente inovador?
P. Se Lula for
candidato, como se vislumbra uma campanha? Ele é um nome conhecido, mas você,
a Gleisi Hoffmann, seriam o rosto durante este período, tendo
em vista que ele não vai poder gravar programa?
R. Em algum momento
alguém vai ter que dar uma resposta para a questão democrática, pois no fundo é
isso que está em jogo. A própria imprensa tem provocado o Judiciário no sentido
de garantir o direito a livre manifestação, de liberdade de expressão.
Transbordou a para esfera dos próprios fundamentos da democracia. Outro aspecto
a ser considerado.
Ciro e coligações
(Haverá) taxação
progressiva sobre bancos. (...) Os bancos serão induzidos a reduzir as taxas de
juros
P. Falamos sobre Lula
liderando pesquisa, mas existe um percentual alto de eleitores que não querem
votar em ninguém. Como o PT pretende abordar este eleitor?
R. Estamos vivendo uma
crise institucional pós-golpe. E isso trouxe feridas, afetou a vida das
pessoas. Precisamos fazer uma refundação democrática. Eu creio que a campanha,
se for bem traduzida programaticamente, desperta esperança nas pessoas, e elas
comparecem. Mas nesse momento não sei avaliar o quanto uma campanha de 30 dias
vai afetar o humor das pessoas.
P. E as
coligações, quais as possibilidades?
R. Eu não estou
acompanhando pessoalmente as conversas, mas sempre defendi desde o ano passado
que os canais com PDT, PC do B, PSB, PROS, estejam sempre desobstruídos, porque
pode acontecer na etapa final uma confluência, que eu espero que aconteça.
P. Ciro chegou a falar
que uma chapa junto com você seria um dream team. Essa ideia morreu na praia?
R. Não sei se se aplica o termo morreu na praia. Não saiu nadando,
está na ilha ainda [risos]. Eu fui contemporâneo do Ciro na Esplanada dos
Ministérios, mantenho com ele até hoje excelentes relações, e me aproximei
muito do Cid quando ele foi governador. Então tenho muito respeito e admiração
pelos Ferreira Gomes. São pessoas de valor, e essa afinidade acaba gerando este
tipo de desejo, o que é natural.
P. Você diz que
não existe no PT uma conversa sobre os potenciais nomes para substituir o Lula.
E existe um debate sobre se unir ao PDT na reta final?
R. Eu vejo declarações
de simpatia mútua. Sempre estivemos juntos, desde os tempos do Brizola [Leonel
Brizola, ex-governador do Rio].
P. Então não é algo
improvável essa união...
R. Uma coisa que é
importante para nós é a candidatura do Lula, que lidera as pesquisas e que
seria eleito talvez no primeiro turno.
Nós incrementamos o
mercado de massa, fizemos também bons trabalhos, mas não fizemos tudo. Por isso
queremos voltar a governar
P. Mas esse é o plano
A...
R. O problema é que se
os partidos não estiverem coligados até o dia 5 de agosto, data final para as convenções,
não poderão mais estar coligados dia 17 de setembro. Esse é o problema. É um
problema legal.
P. E se no dia 17
de setembro o TSE diz que Lula não pode ser candidato, o que o partido fará?
Abrirá mão da candidatura ou apoiará outro candidato?
R. Sem coligação pode
[apoiar outro]. Como exercício jurídico pode.
P. Mas como exercício
político... O PT como protesto abrir mão de sua candidatura caso Lula não possa
disputar.
R. Como exercício de
futurologia...
P. É uma realidade que
vai se impor, não é futurologia.
R. Não sei te
responder.
P. Você diz que não se
fala em plano B no partido. Mas se fala muito no nome do Jaques Wagner e no
seu. O partido vai aguardar até os 45 minutos do segundo tempo pra elaborar o
plano B?
R. Eu desconheço. Não
tenho conhecimento disso.
Fórmula para retomar a economia
P. Falando dos planos
do partido. O país vive uma necessidade urgente de retomar a economia. O que
vocês enxergam como caminho par retomar o investimento?
Eu consegui grau de
investimento na cidade de São Paulo. Não foi a direita. A direita quebrou a
cidade
R. Tem muito
investimento travado por incompetência do governo. Você pode reativar muitas
parcerias público privadas, muitas joint ventures de empresas estatais,
concessões, sem dificuldade. Dou um exemplo. Queremos trocar toda a iluminação
publicado do país por LED. Isso se faz sem custo. Com a economia de energia
elétrica você paga o investimento privado.
P. A expansão de
crédito está contemplada no programa do PT de que forma?
R. Há um projeto de
indução de redução de spread (diferença
entre os juros que os bancos pagam para captar recursos e o que cobram de seus
clientes na hora de emprestar), por meio de taxação progressiva sobre bancos.
Instrumento pelo qual obrigaremos o sistema a reduzir o spread,
gradativamente. Os bancos serão induzidos a reduzir as taxas de juros
praticadas em todas as linhas de crédito: cartão de crédito, cheque especial e capital de giro. Tem
muita gente com boas ideias mas não tem o crédito para implementá-lo. A
economia moderna é baseada em crédito. Nosso sistema de crédito é um paradoxo.
Temos um sistema mais robusto em termos tecnológicos do mundo e não conseguimos
oferecer crédito barato para as pessoas. Não estamos dialogando só com o
consumo de massas para ter acesso ao crédito. É com o empresariado que não tem
acesso também. Quem movimenta economia no Brasil é a pequena e a média empresa,
que tem dificuldade de ir ao BNDES, que é quem gera emprego. Ela tem de ter um
sistema bancário acessível. A agência vizinha à loja, padaria, ela tem de estar
disponível com crédito barato. Não temos crédito barato para empreendedor. Precisamos
retomar a expansão do mercado de capitais. Tivemos recorde de IPOs com o Lula
porque havia pujança.
P. Essa mesma
pujança, e um excesso de confiança, gerou efeitos colaterais, como a própria
inflação que estourou. O partido chegou a ser criticado, inclusive, por ter
estimulado mais a formação de consumidores e não de cidadãos.
R. Discordo com parte
desse diagnóstico. Quando você faz Mais Médicos estamos
falando de cidadania. Quando sai de 3 para 8 milhões de universitários isso é
cidadania. Quando faz Pronatec, manda jovens para o exterior, não é consumo, é
cidadania. O programa Luz para Todos não é consumo, é cidadania. Nós
incrementamos o mercado de massa, mas nós fizemos bons trabalhos, mas não
fizemos tudo. Por isso queremos voltar a governar. Precisamos de uma reforma tributária para tornar nosso sistema
menos regressivo do que ele é.
P. Como iria
funcionar?
R. Tem toda uma
estratégia de transição do modelo, com mecanismos bastante sofisticados de
transição que não vi em nenhum modelo até agora. Acho que nós encontramos esse
caminho de transição. Por duas travas. Uma trava da carga tributária liquida, e
uma da receita real dos entes federados. Criando essas duas travas, criando um
imposto de valor agregado, que vai durante a transição nos garantir esses dois
pressupostos para migrar de uma situação para outra. Dando garantias ao
Congresso de que nosso objetivo é a mudança de composição da carga, fazendo com
que quem não pode pague menos, e quem pode, pague mais, um critério universal
de um regime tributário.
P. E a taxação das
grandes fortunas?
R. Nós colocamos isso
porque está na Constituição. Mas a nossa perspectiva de curto prazo é a
progressividade de imposto sobre heranças, que é uma prática internacional
bastante estabelecida. Na Europa, EUA, até os liberais defendem taxação
progressiva sobre grandes heranças, pois sendo um regime pretensamente
meritocrático, nada mais meritocrático contribuírem com um fundo público de
acordo com suas possibilidades. Isso está mais no nosso horizonte do que outra
coisa. Agora, diminuir Imposto de Renda sobre trabalhador para reintroduzir IR sobre lucro dividendos está no nosso
horizonte. No sentido de calibrar a composição do fundo, sem pretender
aumentar a carga líquida neste momento. Essa transição vai viabilizar uma
mudança importante. Com uma mudança importante, que vamos iniciar nos primeiros
meses. A isenção de IR até cinco salários mínimos implementamos no primeiro
ano, mais acesso ao crédito: são duas alavancas. É acesso do empreendedor para
quem quer gerar emprego.
P. Vocês têm propostas
que fortalecem o trabalhador e a pequena e média empresa. Mas temos uma elite
empresarial...
R. Essa já está
contem
plada. Aliás, a crítica
que se faz é que só eles têm acesso ao Estado. Comecei falando do PPP, grandes
empreendimentos. Não vamos descuidar de nada.
P. Mas como setor
bancário deve reagir ao mecanismo de indução de redução de spread?
A cena de Bolsonaro
sendo aplaudido na CNI... Alguém deve ter visto aquilo e falado: “Até onde nós
vamos com essa aventura?” Acendeu o sinal amarelo, vermelho ou roxo.
R. Acredito que
eles não podem ser contra ter um sistema moderno de crédito no país. Obviamente
nós vamos ouvi-los. Exemplo: execução de garantia no Brasil é algo demorado.
Então eles têm o pleito de melhorar sistema judiciário em geral para executar
garantias. Muitas vezes tem garantia formal, mas na prática não tem. Isso nós
vamos cuidar.
P. Estamos com uma
dívida pública altíssima, que se descolou, inclusive, de outros países
emergentes, como Chile e Colômbia. Como lidar com essa questão, uma vez que a
expansão de parte desta dívida pública é atribuída aos Governos do PT?
R. Primeiro, corrigindo
esse erro. Se você olhar o que nós pegamos de dívida dos Governos do Fernando
Henrique Cardoso você vai ver que ao longo dos anos a dívida pública
bruta e líquida, sobretudo a líquida, caiu barbaramente. A bruta só não caiu
mais porque nós compramos 370 bilhões de dólares em reservas cambiais. Você
pode até criticar a compra dessas reservas, mas não dá para dizer que não caiu
a dívida. Se vendêssemos todas as reservas hoje, a dívida voltaria ao patamar
de 50 e poucos por cento, menor que a herdada de Fernando Henrique.
P. E como seria a
correção destes erros?
R. Primeiro, temos que
reativar a economia. Tem uma coisa que os conservadores falam, “ah, tem que
checar a efetividade de programas, cortar programas que não têm impacto”. Isso
é óbvio, não pode ser nem bandeira de campanha, qualquer um que entra lá tem
que fazer as contas. Mas as pessoas têm que dizer como vão reativar a economia.
Nós estamos dizendo como vamos fazer. Retomada do investimento público,
concessões, PPP, joint ventures, melhoria da renda das famílias mais
pobres...
P. Mas, dependendo
do investimento, você bate de novo no aumento de dívida pública. Como fazer
essa engenharia?
R. Depende. As estatais
têm um outro regime, com investimentos que não implicam aumento de custeio. É
preciso fazer uma análise caso a caso para ver quais vão ser as obras que vão
impactar a produtividade da economia. Você tem estratég
ias para enfrentar esta
questão que são tradicionais: parcerias com o setor privado precisam ser
retomadas. Muita coisa por fazer que está parada. E também mudar a composição
do fundo para favorecer as pessoas de renda mais baixa que tem maior propensão
ao consumo, além de melhorar o sistema de crédito. Sem crédito a economia não
pode retomar. São medidas de curto prazo que já implicam uma retomada da
economia. E obviamente abrir o orçamento e ver qual gasto público precisa ser
revisto. Isso é rotina. Eu consegui grau de investimento na cidade de São Paulo fazendo
isso.Cortando custeio, renegociando dívida com a União, voltando a pagar
precatórios. Não foi a direita que conseguiu o grau de investimento. A direita
quebrou a cidade.
P. E como
pacificar a relação com o setor produtivo que hostilizou Dilma durante o impeachment?
R. O setor
produtivo estará diante da realidade que vai se colocar a partir de
1º de janeiro de 2019... Entendo que o projeto Temer será derrotado nas urnas,
seja lá quem for seu representante, provavelmente Alckmin.
Alckmin, Temer e o
Centrão
P. Você acha que
Alckmin representa a continuidade do projeto Temer?
R. Eu não acho, não é
uma questão de achar... O ministro da Fazenda do Temer foi secretário da
Fazenda do Alckmin. O ministro das Relações Exteriores é do PSDB. O ministro
das Cidades era do PSDB. Então o PSDB está no Governo inteiro. E quem deu sustentação à aventura Eduardo Cunha e do
impeachment foi o PSDB.
(Os donos das
concessões de TV) concentram propriedade, propriedade cruzada no Brasil é
prática. Combinação entre poder político e comunicação é regra. Isso é arcaico
P. Esse bloco
parlamentar chamado de Centrão, que hoje está fechado com o Alckmin, é um grupo
que se fortaleceu muito durante os Governos do PT...
R. Não acho que se
fortaleceu, ele ficou do tamanho que era. Mas ele tem uma presença muito
forte. Acho que ele está mais articulado do que antes, até pela
vulnerabilidade do PSDB, muito dependente de acordos. O PSDB sempre teve
uma maior facilidade em compor maiorias, pela inércia das coisas. E hoje está
com mais dificuldade em virtude da fragilidade da candidatura Alckmin.
P. Como você vê o
embarque provável do Centrão na campanha do Alckmin? Fica aliviado pelo fato
deles não darem musculatura para Bolsonaro?
R. Eu nunca acreditei
que eles fossem fechar com o Bolsonaro. Deve ter havido uma ordem de comando
também. Estava demais, né? Acho que a cena na Confederação Nacional das
Indústrias, com o presidente entidade de braço dado com o Bolsonaro, sendo
aplaudido cinco ou seis vezes, alguém deve ter visto aquilo e falado: “Até
onde nós vamos com essa aventura?” Entendo que isso acendeu o sinal amarelo,
vermelho ou roxo.
P. A Dilma experimentou
de maneira amarga o que é lidar com um Congresso que era considerado o mais
conservador já eleito, com crescimento de bancadas como a da bala. Como
alcançar governabilidade, como trabalhar isso?
R. Desde a campanha é
preciso angariar apoio para suas propostas. Não dar de barato de que ganhando
você vai ter o mando do jogo. É preciso que haja um diálogo com a população
muito precoce e permanente. Mesmo você tendo dito durante a campanha tudo o que
vai fazer no Go
verno, você precisa manter
a democracia ativada, participativa. As nossas medidas são boas para a maioria
do povo. Reduzir a carga tributária do pobre que paga muito e aumentar sobre o
rico, que paga pouco, é razoável. Você aumenta a renda disponível dos pobres e
reativa o consumo. Isso reativa a economia. Você pode achar que está perdendo,
mas de forma intertemporal você está ganhando, o próprio empresário. Ganha
produzindo.
Mídia regulada
P. Algumas das
propostas, como a regulação da mídia, tem potencial para indispor um futuro
Governo petista com o Congresso, já que parte dos parlamentares são donos,
direta ou indiretamente, de retransmissoras de TV e estação de rádio. Isso não
pode acirrar a animosidade com o Governo?
R. Isso é ilegal:
político ser dono de concessão é ilegal. Não podemos fechar os olhos para uma
inconstitucionalidade. Isso distorce a democracia. A imprensa deveria ajudar a
sanear esse problema. Me causa perplexidade que a imprensa dita liberal
compactue com essas práticas oligopólicas e de confusão entre o público e o
privado. Não é compreensível que essas forças que a todo momento evocam o
liberalismo sejam refratárias à modernização das relações. Estamos falando de
aplicar Constituição.
P. Lula quando
teve todo apoio popular não o fez. Aí, agora, quando a grande mídia é alvo do
PT após o impeachment, não soa como revanche?
R. Até vocês, e isso eu
não gostaria que fosse suprimido da minha entrevista, são alvos da grande
imprensa. Tem a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) para tirar o
EL PAÍS do ar [no Brasil] no STF. Na verdade, temos uma oligarquia censora
no Brasil. Eles estão impedindo a livre circulação de ideias. Já pensou se o PT
entrasse com ação do ar invocando lei? Eu fico perplexo. Não se toca no
assunto. The Intecept, BBC, EL PAÍS podem sair do ar, se a ADIN for aceita.
Quem são eles para falar de censura, se eles são censores que querem tirar
sites alternativos do ar, organizações internacionais? Eles têm uma prática
muito diferente do discurso. Eles concentram propriedade, do ponto de vista
vertical como horizontal, propriedade cruzada no Brasil é prática. Combinação
entre poder político e comunicação é regra. Isso é arcaico e patrimonialista,
atrasado.
P. Como mostrar
isso sem parecer que o PT simplesmente está querendo se opor... Apertei a mão de Maluf
e repatriei 150 milhões de reais. Não deixei cumprir minha obrigação
R. Se você publicar o
que estou falando, que existe uma ADIN contra vocês, as pessoas talvez comecem
a entender, mas se você esconder do teu leitor o processo do qual você é vítima
você não contribui com a democracia. Eu já dei entrevista em que foram suprimidas
minhas palavras sobre essa questão. Quem está censurando quem?
P. Mas por que
agora?
R. Isso está nos
programas do PT desde sempre. Cumprir a Constituição.
P. Isso consta, mas
não
quer dizer que será
votado, não será o primeiro ato, é isso?
R. A inspiração do que
vamos levar ao Congresso é tradição americana e britânica. Que na nossa opinião
é a mais avançada de concessões públicas. Não estamos falando de jornal.
Estamos falando de concessão. Todas são reguladas. Menos essa.
P. A regulação da mídia
não é um assunto distante para parte da população que tem necessidades mais
urgentes, como alimentação e saúde?
R. Tudo tem seu tempo.
Mas acho que todo mundo entende que um político não pode ser dono de concessão
de rádio e TV. Isso é antidemocrático. Por isso a Constituição estabelece
parâmetros para que isso não aconteça. E é um aperfeiçoamento democrático
liberal, não é nada bolivariano. Sempre me chamou a atenção como
cientista político o quanto nós abraçamos aqui o liberalismo de fachada. Não
existem forças liberais francas no Brasil. Veja o Movimento Brasil Livre. Essa
meninada chegou a chamar a atenção de alguns ricos. Foram os primeiros a pedir para fechar exposição de museu.
Esse é nosso liberalismo. De araque. Não é verdade.
MPL X MBL
P. Quem lhe deu
mais trabalho, o MBL ou o Movimento Passe Livre, que realizou vários protestos
pela revogação do aumento da passagem dos ônibus durante seu mandato na
prefeitura?
R. A agenda do MPL,
transporte como direito social, é uma agenda com a qual eu simpatizo. A minha crítica é pela forma, não pelo conteúdo.
P. E a campanha do MBL
contra a corrupção, não é algo que você acha interessante?
R. Se fosse
verdadeira seria ótima, né? Mas você vê que eles tiraram foto com o Eduardo
Cunha... Não é bem isso né.
P. Mas você
apertou a mão do Paulo Maluf na campanha de 2012 para conseguir o apoio do PP.
R. Não, mas não foi
nesse sentido que eu estava lá. Eu estava lá em uma agenda... Eu apertei a mão
do Paulo Maluf em um dia e repatriei o dinheiro das Ilhas
Seychelles [que teriam sido desviados por Maluf] no dia seguinte, né? Vamos
falar a verdade para seu leitor. Apertei a mão dele e repatriei 150 milhões de
reais. Não deixei cumprir minha obrigação. Eu não vejo da parte do MBL uma
agenda franca anticorrupção. Acho que agiram assim quando era interessante,
depois mudaram a pauta.
Grandes obras
P. Os Governos do PT
foram alvos de críticas pela maneira como conduziram grandes obras, como Belo
Monte e a transposição do rio São Francisco, num desenvolvimento a qualquer
preço. Como o partido lida com isso?
R. Nós temos um
capítulo no programa sobre transição ecológica. Resolvemos enfrentar esse
desafio, da produção com conservação, adotar essa agenda. E explicitar essas
diretrizes. Grandes obras como transposição do São Francisco, hidrelétrica
de Belo Monte, exploração do pré-sal, sempre vão ser polêmicas. E nós temos
que considerar as críticas para aperfeiçoar o modelo. Não tenho dúvida. Eu
acredito que Belo Monte é uma usina muito melhor do que todas as outras que
foram construídas no passado. Mas talvez não tenha chegado numa situação em que
possa ser considerada um caso exemplar. Reconheço. A transposição, que antes
era muito criticada, hoje sofre menos críticas.
P. Com relação a
Belo Monte, o que você apontaria como fator para que ela não seja um caso
exemplar? Existem casos bem documentados de pessoas que foram expulsas, casas
queimadas...
R. Esse assunto foi
objeto de uma conversa recente minha com o Lula, a última. O Lula falou uma
frase, disse: “Olha, nós temos que encontrar uma maneira de transformar a
população do entorno em sócio do empreendimento. Elas não podem ser objeto da intervenção, tem que ser
sujeito da intervenção”. É preciso mudar o paradigma de diálogo com essas
populações e efetivamente transformá-los em sujeitos ativos de uma perspectiva
transformadora. Ele usou a expressão “temos que transformar esse pessoal em
sócio do empreendimento. Eles não podem ser afetados”. O Lula está muito ciente
dos problemas do empreendimento. Talvez nós possamos repensar o modelo de
governança dessas grandes obras.
P. O programa
Minha Casa Minha Vida também teria correções? Ele é constantemente criticado
por urbanistas.
R. Eles criticam, mas o
programa também é muito elogiado. Eu mesmo sou partidário dessa visão de que se
construiu muito onde não havia tanta infraestrutura. Aqui em São Paulo nós
procuramos mudar isso. Criamos várias ZEIS [Zonas especiais de interesse
social] no centro de São Paulo que estão ensejando empreendimentos,
incorporações. Muitos lançamentos no centro de São Paulo que são mais
acessíveis. Hoje com 200.000 reais você compra um apartamento em São Paulo. O
que para uma metrópole cara como São Paulo, é significativo. Não é o ideal, mas
avançamos bem.
P. Falando da
Petrobras. Para além de toda a corrupção que ali se instalou, a empresa, do
ponto de vista de negócio, assumiu uma dívida estratosférica numa matemática
impossível de fechar. Até hoje vende ativos. Qual é a visão do partido em
relação a esse assunto?
R. No caso da
Petrobras, e concordando que houve uma alavancagem discutível, o fato é que
todas as petroleiras foram pegas no contrapé com a crise de 2008. Você tem uma
barriga no preço do petróleo, e nenhuma petroleira estava preparada para sair
de 120 dólares por barril para 30. Efetivamente todos os balanços foram afetados
por isso. Entendo que agora a situação específica deste setor oferece uma
oportunidade de recuperação, e que devemos atuar no campo das refinarias, ao
menos terminar os projetos que estão iniciados, como o Comperj e Abreu e Lima.
Plano B para Lula e
Palocci
P. Levando em
conta o pior cenário para o PT: Lula tem o registro indeferido e o partido vai
escolher alguém dos seus quadros para disputar. Quem seria um bom nome? Você
estaria confortável para ocupar essa vaga?
R. Olha, nós
estamos nos valendo da jurisprudência do TSE para levar a candidatura do Lula a
registro. Ele vai escolher o seu vice. E nós aguardamos duas decisões
importantes: do TSE com relação ao registro, e em caso de negativa uma liminar
no Supremo para garantir esse registro. Antes disso o debate está... Esse
debate sobre substituição não é feito. Não há reunião sobre isso dentro do PT.
P.O Lula não ventila essa hipótese de o partido ter outro
candidato?
R. Ele não discute o
assunto, pelo contrário. Ele reafirma sua inocência, sua vontade de ser
candidato, seu desejo de presidir o país.
P. Com relação à
delação do ex-ministro petista Antonio Palocci, há um temor dentro do partido?
R. Vamos ver [o que ele
traz]. A quantidad
e de delações que são
feitas e vão caindo são expressivas. Recentemente a do Delcídio do Amaral, do Ricardo Pessoa...
E as delações vem caindo por que? Porque a pessoa no desespero de estar
encarcerada ela vai juntando fatos... Eu acho desprezível alguém fazer isso,
mas compreendo o desespero da situação. Acho injusto que essas pessoas estejam
conseguindo em troca da delação uma redução de 70% da pena e mantendo o
patrimônio intacto. Considero que o corruptor não deveria ter estes benefícios
todos. Não acho que o corruptor é melhor do que o corrupto, como em geral tenta
se vender. Às vezes o corruptor tenta se passar por vítima: é a quintessência
da hipocrisia. Nós sabemos que o corruptor é quem leva a parte do leão
Judiciário
P. Uma das propostas de
vocês é alterar a forma de nomeação de integrantes do Supremo. Em um momento no
qual o PT é um dos grandes alvos da Justiça isso não pode ser visto como
revanchismo?
R. O STF vai manter
essa composição atual por muito tempo, não há nenhuma preocupação a curto prazo
com isso. Estamos falando dos novos indicados. Só forçando um pouco a
interpretação para achar isso [que se trata de revanchismo].
P. Isso nunca foi uma
bandeira do PT enquanto estava no poder. Agora, acuado pelo Judiciário, isso
vem à tona?
R. Não é um momento de
crise institucional? Porque não se inspirar em modelos avançados para entender
isso. A questão do controle externo à corporação, isso vale para todas as
instituições, é um traço de modernidade. Os atuais membros do STF ficarão lá até
os 75 anos. Essa medida, de colocar um prazo para o mandato do ministro da
Corte, tira poder do presidente, não é algo que dá poder para ele. Porque o
indicado por ele terá 15 anos de mandato, ou 12. Não será vitalício.
P. Mas dá a entender
que o partido está desgostoso pela maneira como a Justiça está atuando. Qual o
mérito da proposta?
R. O mérito é uma
pessoa que é indicada com 40 anos ficar até os 55 e não até os 75. Parece
razoável não?
P. Você acha que a
Corte não se renova?
R. É muito poder. Uma
pessoa ficar 35 anos no STF. Eu sou cientista político e me soa bem a tese de
que ninguém deve ter tanto poder por tanto tempo.
Aborto e drogas
P. O programa de
Governo do PT não tem menção à questão do aborto. Por que esse ponto ficou de
fora?
R.O PT historicamente trata a questão do aborto e das drogas como
uma questão de saúde pública. O poder Executivo tem um compromisso em
abordar esses temas sob essa ótica. Acontece que agora, neste momento, a
questão foi judicializada. Os dois temas estão na pauta do STF. E muito mais
forte do que uma lei ordinária do Executivo sobre o tema é o disciplinamento
disso por uma jurisprudência com base em cláusula pétrea da Constituição, que
não pode ser alterada por lei ordinária. Todos os indicadores internacionais
dão conta de que uma mudança de postura do Estado com relação a isso faz
diminuir o número de abortos. É preciso analisar a questão com uma visão mais
científica, mais pragmática e menos fundamentalista, buscando objetivos
concretos, como melhorar a saúde da população.
P. E com relação às
drogas?
R. Se você analisar os
estudos sobre prisão versus apreensão, você vai ver que prendemos um
contingente enorme de pessoas com nenhuma efetividade de apreensão. Ou seja,
estamos iludindo as pessoas de que estamos combatendo algo. Não estamos
combatendo nada, estamos perdendo a guerra. Inclusive porque essa guerra não se
ganha, a não ser pela promoção da saúde e pela prevenção da educação...
P. Mas o STF já está
analisando a questão do aborto e da descriminalização das drogas há meses, os
processos não andam...
R. Mas está pautado.
P. Mas com relação
às drogas você deixaria apenas a cargo do STF? No México o Executivo está promovendo o debate sobre reformas
nesse assunto.
R. É uma discussão
sobre direitos fundamentais, dá mais robustez para a decisão quando se tem esse
caminho do STF. Não é “deixar na mão do STF”. Temos três Poderes, né? Vamos
puxar pela memória o que aconteceu com a comunidade LGBT em torno da questão da
união estável homoafetiva. Se o Executivo tivesse mandado para o Congresso um
projeto de lei, talvez estivéssemos até hoje em um impasse. Mas quando é um
direito protegido pela Constituição, no STF houve um outro desfecho [com a
aprovação]. Quando há uma visão distinta entre Legislativo e Executivo em torno
de direito fundamentais, que são direitos ditos de minoria, muitas vezes o
Judiciário harmoniza. Isso é entender o funcionamento da república moderna.
Existem países mais avançados, mais abertos e menos fundamentalistas, que
conseguem dirimir essas questões por meio de leis. Depende muito da correlação
de forças internas... A sociedade vai encontrando caminhos para escapar dessa
tradição mais obscurantista por vários mecanismos. Está ganhando expressão
social uma vertente de discussão séria sobre garantias individuais.
