A consulta pública
sobre a sugestão legislativa (SUG
15/2014) que legaliza o aborto voluntário dentro das 12 primeiras semanas
de gestação e prevê a realização do procedimento pelo Sistema Único de Saúde
(SUS) virou motivo de uma disputa acirrada entre os usuários da internet, com
campanhas estruturadas nas redes sociais para conseguir votos diariamente e
evitar que um lado ganhe mais apoio do que o outro. Até o dia 23 de julho, o
resultado apontava uma ligeira vantagem para as opiniões contrárias à proposta
com pouco mais de 342 mil votos, e perto de 340 mil votos a favor.
A maioria dos quase 682
mil votantes é do estado de São Paulo, onde a sugestão alcança mais apoio: com
110 mil votos. Do outro lado, o número também é expressivo: 74,5 mil pessoas
não querem a descriminalização do aborto. Essa tendência se repete no Rio de
Janeiro, segundo maior participante da pesquisa realizada pelo Portal e-Cidadania do
Senado, com 44 mil votos pelo “sim” e 38 mil votos contra na contagem mais
recente. Em seguida vem Minas Gerais com um total de 66,5 mil votos, onde o
“não” ao aborto legalizado vence por cerca de três mil votos. Já no Rio
Grande do Sul, que aparece em quarto lugar com a participação de 45,5 mil
pessoas, a diferença é bem maior: são 13 mil votos a mais, só que a favor da
proposta.
No texto da sugestão
também está prevista a formação de uma equipe de saúde interdisciplinar para
informar a mulher sobre riscos e alternativas ao aborto, como programas de
apoio financeiro e oferecimento da criança para adoção. A matéria ainda concede
à gestante período de cinco dias para reflexão, após o qual, se ainda desejado,
o procedimento será feito imediatamente.
O autor da sugestão é
André de Oliveira Kiepper, de 37 anos, morador do Rio de Janeiro e mestre em
Saúde Pública. Como justificativa, Kiepper apontou “a atual legislação que
vitimiza a mulher, tornando-a refém de clínicas de aborto clandestinas”. Ele
citou dados do Ministério da Saúde que revelam a realização de 1,25 milhão de
abortos ilegais por ano no Brasil.
Debates
A Comissão de Direitos
Humanos e Legislação Participativa (CDH) promoveu cinco audiências públicas
entre 2015 e 2016 para reunir opiniões de especialistas sobre a questão, dentre
eles, professores, médicos e representantes de grupos e instituições contra e
pró-aborto. Foram discutidos temas como a existência ou não de vida até a 12ª
semana de gestação, o direito de vida do embrião versus a autonomia
da mulher, as estatísticas, as consequências do aborto para a mulher e para a
sociedade, e o aborto como problema de saúde pública.
Em fevereiro deste ano,
o senador Magno Malta (PR-ES) apresentou relatório na CDH pelo arquivamento da
sugestão. “O Estado não pode interferir no livre desenvolvimento de um ser
humano no ventre de sua mãe”, afirmou. Ele rebateu os argumentos de que não existe
vida desde a concepção e de que a autonomia da mulher precederia o direito à
vida do embrião. O senador citou os riscos físicos e psicológicos para a mulher
que faz aborto. Por fim, enumerou os impactos sociais e econômicos de uma
política pública para a questão no país. Ele apontou, por exemplo, que o custo
seria de 2% o Fundo Nacional de Saúde (FNS), o que corresponde a um gasto cerca
de 30 vezes superior ao do Programa Rede Cegonha, de atenção à mulher grávida.
Última audiência
A votação do relatório
para decidir se a sugestão seguirá adiante só deve ocorrer depois da realização
de mais uma audiência pública requerida por Magno Malta. Desta vez será para
discutir a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442 que
tramita no Supremo Tribunal Federal (STF).
A ADPF 442 foi ajuizada
pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) para pedir que a Corte declare
inconstitucionais os artigos 124 e 126 do Código Penal. O partido alega que os
dispositivos que criminalizam o aborto provocado pela gestante ou realizado com
sua autorização violam os princípios e direitos fundamentais garantidos na
Constituição.
O PSOL pede a concessão
de liminar para suspender prisões em flagrante, inquéritos policiais e
andamento de processos ou decisões judiciais baseados na aplicação desses
artigos a casos de interrupção da gestação induzida e voluntária realizada nas
primeiras 12 semanas de gravidez.
A audiência para tratar
desse tema será em conjunto com a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania
(CCJ). O senador solicitou ainda o apoio das Comissões de Defesa dos Direitos
das Pessoas com Deficiência; de Defesa dos Direitos da Mulher; de Direitos
Humanos e Minorias; e de Seguridade Social e Família, todas da Câmara dos
Deputados.
Entre os convidados
sugeridos para o debate, estão Raquel Dodge, Procuradora-Geral da República e
Dom João Bosco, presidente da Comissão Vida e Família da Confederação Nacional
dos Bispos do Brasil (CNBB). A audiência interativa com transmissão ao vivo
também permitirá ampla participação popular pela internet e a presença de
grupos representantes de mulheres no Plenário.
Sugestão legislativa
Sugestões de lei ou
ideias legislativas, como a que legaliza o aborto, são recebidas no portal
e-Cidadania do Senado. São iniciativas da sociedade e precisam ter apoio de, no
mínimo, 20 mil assinaturas para serem encaminhadas à CDH, onde a sugestão é
votada pelos senadores e pode virar projeto de lei se aprovada.
De maio de 2012 até
março de 2018, quase 42 mil ideias legislativas já haviam sido cadastradas no
site. Entre as que conseguiram o apoio necessário, 47 ideias estão em avaliação
na CDH, 17 não foram acatadas e 11 foram convertidas em Projeto de Lei do
Senado (PLS) ou Proposta de Emenda à Constituição (PEC).
Nasceram de sugestões
legislativas a PEC 41, que estabelece o fim do auxílio-moradia para juízes,
deputados e senadores; e a PEC
51/2017, para acabar com os impostos sobre consoles e jogos para videogames
produzidos no Brasil. Ambas aguardam o fim da intervenção militar no Rio de
Janeiro, pois nesse período não pode haver mudanças na Constituição.
Algumas das ideias
legislativas que viraram projetos de lei são: a que proíbe expressamente o
corte ou a diminuição da velocidade por consumo de dados nos serviços de
internet de Banda Larga Fixa (PLS
100/2017); a que cria Centros de Atendimento Integral para Autistas pelo
SUS nos estados brasileiros (PLS
169/2018); e a que propõe a descriminalização do cultivo da Cannabis para
uso próprio (PLS
514/2017).
Mais de 15 sugestões,
oriundas de ideias enviadas por cidadãos, não foram acatadas por motivos
diversos durante votação na CDH. Entre elas, a ideia que causou muita polêmica
ao propor a classificação do Funk como crime de saúde pública contra
crianças, adolescentes e a família (SUG
17/2017); a que pede o fim do Estatuto do Desarmamento (SUG
4/2017); e a que propõe a redução da maioridade penal para 15 anos em
crimes de estupro e assassinato (SUG
12/2017).
Após a votação na CDH,
uma ideia do cidadão transformada em proposição legislativa segue para exame de
outras comissões, se for o caso, e para a decisão final: arquivamento,
promulgação, envio à Câmara dos Deputados ou à Presidência da República.
Agência Senado
(Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)