Chico Pinheiro:
Olá, candidata.
Marina Silva:
Olá, Chico.
Chico Pinheiro: Nós
agradecemos a sua presença aqui no Bom Dia Brasil. Seja muito bem-vinda.
Ana Paula Araújo:
Bem-vinda aqui e obrigada pela presença.
Miriam Leitão:
Olá.
Marina Silva: Obrigada
por estar com vocês.
Chico Pinheiro:
Essa entrevista começa a contar a partir de agora o tempo da entrevista. E quem
vai começá-la é a nossa colega Miriam Leitão, com a primeira pergunta. Miriam.
Miriam Leitão:
Candidata Marina, a senhora falou em atualizar a legislação trabalhista e disse
que não vai mudar a CLT, mas só... apenas a referência a essa mudança na
legislação trabalhista já assusta os trabalhadores, naturalmente. E o que que a
senhora vai mudar e como vai mudar?
Marina Silva:
Quando se fala em atualização, é exatamente para manter os direitos já
conquistados e ampliar aqueles que os trabalhadores ainda precisam conquistar.
Por exemplo, hoje, nós temos cerca de 20 milhões de brasileiros que estão na
informalidade. E nós estamos assumindo o compromisso de fazer um esforço para
que se tenha meios para que essas pessoas possam vir para o mercado formal de
trabalho.
Miriam Leitão: Não
é simples, né, candidata? Como é que faz essa formalização? Porque esse é um
velho problema do Brasil.
Marina Silva:
Exato, não é simples, mas nós não podemos partir do princípio de que essas
pessoas devam ficar condenadas para o resto da vida a ficar na informalidade,
inclusive, com seus direitos precarizados em relação à Previdência.
Miriam Leitão:
Claro, mas eu quero saber como fazer isso.
Marina Silva:
Como fazer? Por exemplo, no governo do Fernando Henrique, ele fez o processo de
terceirização para as atividades-meio. O governo do PT manteve. Existe uma lei
que faz essa regulamentação, mas nem todos os trabalhadores têm os seus
direitos assegurados. E nem todas as empresas se sentem seguras com a forma
como esse processo foi estabelecido, que, em muitos aspectos, tem a ver com uma
súmula do Supremo. Então, fazer essa atualização para que aqueles que vivem na
informalidade possam entrar no mercado formal de trabalho e, ao mesmo tempo,
aqueles que estão na atividade-meio, que já estão no processo de terceirização,
não a atividade-fim, que fique bem claro que é o que já existe, que essas
pessoas possam ter seus direitos respeitados e que empregados e empregadores
possam ter segurança jurídica. Esse é o esforço que nós estamos nos
comprometendo para melhorar as condições dos trabalhadores e para que também a
gente possa criar um espaço de segurança. E isso dialoga também com
aposentadoria, com Previdência...
Miriam Leitão: Mas
a CLT não tem coisas velhas que precisam ser atualizadas além dessa questão da
terceirização, tem outros pontos?
Marina Silva: Nós
achamos que há um processo complexo em relação à CLT e que, se você vai mexer
em tudo isso, cria um problema de insegurança para os trabalhadores, que a
duras penas conquistaram esses direitos. É preciso...
Miriam Leitão:
Então a senhora prefere não mexer na CLT? É isso?
Marina Silva: Nós
não vamos mexer na CLT. Nós queremos fazer uma atualização para que direitos
possam ser ampliados e para que aqueles aspectos que ainda não estão sendo
cumpridos adequadamente possam ser cumpridos.
Ana Paula Araújo:
Candidata, ainda cobrando uma definição melhor das suas propostas, é um
consenso entre todos que o Brasil tem uma carga tributária muito alta. Isso
torna a nossa indústria pouco competitiva com relação a outros países. A
senhora tem dito que quer promover um desmame da indústria revendo desonerações
de impostos, mas entre essas reduções de impostos tem o IPI para os carros, tem
também a desoneração da folha de pagamento. Afinal, que medidas exatamente a
senhora quer rever?
Marina Silva: Nós
sabemos que há a necessidade de incentivos para que a indústria e o emprego
possam ser protegidos. Isso aconteceu a partir de 2008, naquele momento de
fragilidade. O problema é que a continuação do remédio, mesmo quando o paciente
já deveria ir se preparando para ter autonomia, cria uma situação de
dependência. A atitude do governo em não exigir nenhuma contrapartida,
principalmente da indústria automobilística, faz com que no Brasil esses
benefícios aconteçam sem que a indústria automobilística se preocupe em
melhorar a qualidade dos seus equipamentos, de diminuir emissão de CO2, de diminuir
a poluição. Nos Estados Unidos, isso foi feito também, só que foi feito com
contrapartida. O que nós falamos foi que nós queríamos qualificar melhor esses
incentivos. Qualificar no sentido de que possam ter contrapartida e de que
possa se ter um diálogo, envolvendo também a indústria automobilística. As
saídas para o transporte público de qualidade, por exemplo, não pode ser uma
ação só do governo federal com a sociedade. As empresas poderiam também
participar desse processo e contribuir com novas formas de atender
adequadamente a população com transporte coletivo.
Chico Pinheiro: Mas
não só...
Ana Paula Araújo: A
senhora falou aí do IPI dos carros. Mas tem, por exemplo, também a desoneração
da folha de pagamento, que é uma medida que cria empregos.
Marina Silva: É.
Essa questão ela é complicada, porque, na verdade, você não pode criar uma
situação de vulnerabilidade. Por isso que nós utilizamos os termos, o termo
qualificar. Qualificar exatamente para poder exigir contrapartidas, qualificar
para que as empresas possam ter... Claro que não podem ficar infinitamente
dependendo dos incentivos do governo. E, no caso da folha de pagamento, é
fundamental, porque a indústria e os setores que são os empregadores não podem,
de uma hora para outra, perder esses incentivos.
Chico Pinheiro:
Agora, nós estamos em um quadro de desindustrialização, né, com perda, com
redução de empregos. E, nesse momento, a senhora não acha delicado mexer nessa
questão dos incentivos, ainda que isso seja desejável? Porque pode se entrar em
um dilema aí: se tira os incentivos, corre o risco de piorar a situação da
indústria e, portanto, os empregos; se mantém, permanece essa dependência das
empresas do estado. Como a senhora...
Marina Silva: Por
isso que eu insisto, Chico. Nós não falamos em retirar, nós falamos em
qualificar. E, quando falamos em qualificar...
Chico Pinheiro:
Qual é o critério para qualificação?
Marina Silva: Nós
queremos também dialogar com aqueles incentivos que foram dados através, por
exemplo, do BNDES, em que o governo escolheu algumas empresas para serem
consideradas as campeãs, com juros subsidiados, com volumes de recursos
altíssimos, cerca de R$ 500 bilhões, que equivale a 20 anos de Bolsa Família.
Não se pode utilizar o dinheiro do contribuinte para escolher quem serão os
ungidos que irão ter acesso a esses recursos.
Chico Pinheiro: Mas
a senhora vai reduzir a carga tributária?
Marina Silva:
Nesse caso do mau uso dos recursos públicos do BNDES, nós vamos fazer isso com
transparência, que a sociedade possa ver. No que concerne à questão tributária,
nós estamos nos comprometendo, em no primeiro mês do nosso governo, mandar uma
proposta de reforma tributária para o Congresso. Estabelecemos princípios que
são: o princípio da justiça tributária, porque, no Brasil, quem pode mais...
quem pode menos paga mais e quem pode mais paga menos; o princípio da
transparência, porque muita gente paga imposto na hora que vai ao supermercado
e nem sabe que está pagando imposto; e o princípio da simplificação, porque
hoje uma boa parte do tempo e dos recursos de uma empresa é gasto exatamente só
para poder pagar os impostos. Eu tive um dia desses em um debate com jovens
empreendedores e eles diziam o seguinte, que das novas empresas que fazem parte
do Supersimples, quando elas alcançam R$ 3,6 milhões, elas ficam diante de um
dilema, porque se elas forem submetidas a toda a carga tributária, a todas as
exigências, 70% dessas empresas fecham...
Miriam Leitão:
Candidata...
Marina Silva:
Então fica um dilema. Então é fundamental que a reforma tributária dê conta
desse desafio.
Miriam Leitão:
Candidata, sabe o que os empresários temem em relação à senhora? É que, diante
de um conflito entre o agronegócio, por exemplo, e os ambientalistas, ou os
ambientalistas e a necessidade de fazer infraestrutura no país, obras de
infraestrutura, a senhora sempre ouvirá mais os argumentos, tenderá ser mais
sensível aos argumentos dos ambientalistas. Mas só que o Brasil, o agronegócio
é a salvação da nossa lavoura, que garante a balança comercial, e o Brasil
precisa de estradas e precisa de energia. Como é que a senhora responde a esses
temores com relação a toda sua vida profissional?
Marina Silva: Que
as duas coisas não são incompatíveis, Miriam. Eu tenho insistido que é fundamental
juntar economia e ecologia. É uma parte muito pequena do agronegócio que tem
essa visão, que é mais uma visão política e ideológica, de que para o
agronegócio ser próspero é preciso negligenciar meio ambiente. É possível
aumentar a produção por ganho de produtividade. O Brasil...
Miriam Leitão: Mas
sempre haverá conflitos.
Marina Silva: Mas
o conflito...
Miriam Leitão:
Sempre haverá pontos de divergência.
Marina Silva: O
conflito é para ser manejado. Não sei se vocês viram uma matéria que saiu
recentemente dizendo que as chuvas do Sul, do Sudeste e de parte do
Centro-Oeste elas se dão em função da Amazônia. A destruição da Amazônia
significa a ameaça de transformar em deserto as regiões mais prósperas do
agronegócio. Então é interesse do próprio agronegócio moderno, das pessoas que
querem aumentar a produção por ganho de produtividade, que a gente não fique
neste dilema. Não há esse dilema para produzir e proteger. As duas coisas são
inteiramente possíveis.
Ana Paula Araújo: Mas
candidata...
Marina Silva:
Hoje nós podemos aumentar a produção por ganho de produtividade. De 1973 para
cá o Brasil teve um aumento de produtividade de mais de 200%, com a expansão de
área de apenas 31%. Isso significa que nós já somos campeões em aumentar a
produção por ganho de produtividade. Isso significa a utilização de menos
áreas, utilização de menos recursos.
Miriam Leitão:
Graças à revolução agrícola, da Embrapa.
Marina Silva:
Exatamente.
Chico Pinheiro: O
trabalho da Embrapa.
Marina Silva: O
trabalho da Embrapa e o investimento dos grandes produtores, que eles próprios
passaram a investir em pesquisa. Quem não consegue isso são os pequenos. E tem
um falso dilema. É a cortina de fumaça que é feita toda eleição. O problema do
agronegócio não é a proteção do meio ambiente, não são os índios e os
quilombolas. É a falta de infraestrutura de hidrovias, de ferrovias, de termos
estradas adequadas para o transporte, ...
Ana Paula Araújo:
Pois é candidata, mas...
Marina Silva: ...
armazenagem e portos.
Ana Paula Araújo: Só
complementando...
Marina Silva: É
isso que faz com que a gente perda cerca de 30% da nossa produção agrícola, em
função do descaso da infraestrutura.
Ana Paula Araújo:
Exatamente isso que eu queria perguntar, candidata. Esse temor de que a senhora
vá ser mais sensível a argumentos de ambientalistas do que de empresários,
inclusive nos casos das obras de infraestrutura, vem muito em função de quando
a senhora foi ministra do Meio Ambiente e era muito criticada por travar as
licenças ambientais. A gente tem aqui um dado de que quando a senhora, depois
que a senhora saiu do ministério, as licenças pularam de 300 por ano para 800
no ano passado.
Marina Silva: Eu
não tenho exatamente esses dados. O que eu posso te dizer é que as licenças que
foram dadas durante a minha gestão foram as licenças mais complexas. Você fazer
o licenciamento do Rio São Francisco, que desde o tempo do Império, se tentava
fazer a transposição, e fazer isso com liminares em vários estados, o
Ministério Público, e ganhar todas as liminares, é porque foi um trabalho muito
bem feito. Você fazer a licença de Santo Antônio Girau, e conseguir dar essa
licença depois que toda a documentação foi apresentada pelo demandante em três
meses, é preciso ter muita eficiência. Fazer a licença da BR-163, que envolveu
cerca de 13 ministérios para poder dar esta licença, e um trabalho de aprovar
uma lei no Congresso para poder criar uma limitação administrativa temporária
que nos levou a criar oito milhões de hectares de unidade de conservação no
processo da feitura da estrada, ao longo da estrada, exatamente para diminuir o
desmatamento. Nós conseguimos dar a licença. Sabe o que que aconteceu? Quando a
gente protegeu a área, que eles diziam que não ia ser impactada, perdeu o
interesse por fazer a estrada. A estrada não entrou nas obras do PAC, o
consórcio privado desistiu de fazer a estrada e os prefeitos e os governadores
também não falavam mais da estrada. Sabe por quê? Porque não era mais possível
a grilagem. Depois que eu saí negligenciaram o plano BR-163 e o desmatamento
voltou a crescer.
Chico Pinheiro: Candidata,
vamos falar dos transgênicos, como é a sua posição em relação a eles. Porque a
senhora diz agora que é uma lenda que a senhora fosse contra os transgênicos,
no entanto, a senhora já defendeu a moratória aos transgênicos, a proibição por
cinco anos, em determinado momento quando a senhora era senadora, disse que
eles só poderiam ser liberados depois de muitos estudos, de ampla discussão.
Essas declarações do passado o que elas são? São lendas, devem ser esquecidas,
como é que é?
Marina Silva:
Elas são inteiramente compatíveis com o que eu estou dizendo agora. A moratória
no período em que eu propus era exatamente para se fazer os estudos. Naquele
período a União Europeia estava fazendo os estudos, e eu fiz a proposta da
moratória. Vamos fazer os estudos para termos certeza se faz ou não faz, traz
ou não traz problemas para o meio ambiente e para a saúde humana. Os europeus
continuam estudando até hoje, mas eu, naquele momento, fiz a proposta de cinco
anos. E quando nós fomos para a regulamentação no Ministério do Meio Ambiente,
a proposta que foi encaminhada pelo ministério à Casa Civil e para o debate no
Congresso, nós sugeríamos um modelo de coexistência. O problema é que no debate
ninguém falava da nossa proposta, simplesmente dizia: ‘Eles são contra’.
Chico Pinheiro:
Hoje a sua proposta é essa, da coexistência?
Marina Silva: A
minha proposta continua sendo a que seria o melhor modelo. Infelizmente isso
não é mais possível, porque a lei que foi aprovada fez um processo uniforme.
Chico Pinheiro:
Qual é?
Marina Silva: Até
o estado do Paraná, o Requião uma época estava se dispondo a ser uma área livre
de transgênicos.
Chico Pinheiro:
Agora...
Marina Silva: Mas
o Governo Federal, ele optou pelo caminho do México, optou pelo caminho da
Argentina, optou pelo caminho dos Estados Unidos...
Chico Pinheiro: Mas
vamos falar da sua...
Marina Silva: ...
e homogeneizou uma cultivar que nós poderíamos ganhar duas vezes, Chico.
Chico Pinheiro: A
senhora pensa em mudar a lei?
Marina Silva:
Não, porque agora a lei já foi aprovada.
Chico Pinheiro: A
senhora considera, a senhora, pessoalmente, considera os transgênicos um mal?
Marina Silva: Eu
considero algo que tem que ser visto com atenção, do mesmo jeito que os
europeus veem com atenção. E que se dê o direito para o consumidor de fazer a
escolha. Por isso que era importante o regime de coexistência. Porque você pode
não ter nenhum problema em escolher o produto transgênico. Está lá, rotulado,
você vai no supermercado e faz a sua escolha. Agora, o cidadão que não quer ele
pode ir também lá na prateleira e tem o mesmo produto para que ele faça a sua
escolha. Isso é o livre mercado que tanta gente defende. Agora, você impor um
único modelo é que não pode ser.
Miriam Leitão:
Candidata Marina, a senhora é acusada pelos adversários de mudar muito de
ideia. Eu quero ficar na economia, que é o meu terreno. Por exemplo, em questão
da meta da inflação, o programa anterior, de Eduardo Campos, falava em reduzir
a meta para 3% a médio prazo. A senhora fala na meta de 4,5%, mas um aliado
seu, Alexandre Rands, chegou a falar em elevar a meta no primeiro momento, e a
senhora o desautorizou. E eu fiquei confusa. Afinal de contas, a senhora, qual
é a sua proposta para combater a inflação brasileira? É respeitar a meta em
quanto tempo e de que forma?
Marina Silva: A
meta ela é estabelecida e ela tem que ser cumprida pelo Banco Central, pelo
governo. É nosso objetivo. Quando o Eduardo fez essas afirmações, nós estávamos
no processo de debate com os nossos economistas. E, obviamente, que era o
debate ali acontecendo. A posição de um dos nossos colaboradores manifestando
suas opiniões pessoais não significa em hipótese alguma que essa é a posição do
nosso plano de governo. O nosso compromisso é em manter o tripé da
estabilidade econômica brasileira com a ideia da responsabilidade fiscal, com a
manutenção do câmbio flutuante...
Miriam Leitão: E o
centro da meta, qual é?
Chico Pinheiro: 3%,
3,5%, 4%, 4,5%?
Marina Silva: E a
nossa proposta é de 4,5%. É isso que nós vamos manter.
Miriam Leitão: E
em quanto tempo chegar lá?
Marina Silva: E
estamos perseguindo isso. É algo que, é claro, você tem fatores que vão nos
levar a poder alcançar esse objetivo. O Brasil hoje está vivendo uma situação
muito difícil: baixo crescimento, falta de credibilidade...
Chico Pinheiro:
Pois é, candidata. Aí é o seguinte: falar é mais fácil do que fazer. Como,
concretamente, a senhora pretende, que medidas tomar logo no começo para baixar
a inflação e para voltar o crescimento? Como é que faz isso?
Marina Silva: Uma
medida importante não será tomada por mim, será tomada pela sociedade
brasileira...
Chico Pinheiro:
Qual medida?
Marina Silva:
Escolher um presidente da República que recupere a credibilidade para que este
país volte a ter investimentos, para que este país possa assegurar a autonomia
do Banco Central, para que este país possa ter controle do gasto público. E nós
estamos propondo até criar um conselho de responsabilidade fiscal. Nós vamos,
sim, fazer com que o Brasil volte a crescer. Uma boa parte do capital que o
Brasil precisa não é tangível, é intangível: é confiança, credibilidade,
respeito a contrato. Criar um ambiente que favoreça os investidores a voltar a
investir no Brasil. Isso só será possível com um governo que tenha
legitimidade. E que, de antemão, estabeleça o seguinte: nós não vamos nos
aventurar em política econômica, não vamos inventar a roda. Há um processo que
vem dando certo desde o governo Itamar, o presidente Fernando Henrique
consolidou, o presidente Lula manteve. A presidente Dilma é que se aventurou. E
agora nós temos o nosso país com baixa credibilidade, pouco investimento, juros
altos – que favorece o baixo empenho, é, investimento...
Miriam Leitão:
Candidata, como é que seria esse conselho de responsabilidade fiscal?
Marina Silva:
Esse conselho de responsabilidade fiscal vai ser criado por lei.
Miriam Leitão:
Externo ou interno?
Marina Silva: Ele
vai ser um conselho que precisa ter a sua independência, por que se o...
Miriam Leitão: Mas
para fazer o quê? Para controlar o governo?
Marina Silva:
Para verificar as contas do governo. Hoje nós estamos em um processo de falta
de credibilidade, em função da...
Miriam Leitão: Não
tem o Tribunal de Contas para isso?
Marina Silva:
Existe o Tribunal de Contas, mas nós não temos outros conselhos que nos ajudam
em relação a dar eficiência às ações do governo? Nesse caso, nós já estamos com
as contas, que são criativas, que são maquiadas, que o céu é o limite. Ter um
conselho de responsabilidade fiscal é dizer...
Chico Pinheiro: Ele
é propositivo esse conselho? Ele vai dizer o que fazer?
Marina Silva: Ele
é propositivo à medida em que nós temos um compromisso de que nós não vamos
elevar o gasto público acima do crescimento do PIB. E o conselho de responsabilidade
fiscal tem que fazer com que o governo dê conta dos investimentos estratégicos
na área social, e, ao mesmo tempo, não vá pelo caminho da ineficiência, que é o
que acontece hoje. Hoje o governo gasta de forma ineficiente. Você tem projetos
que começam com R$ 6 bilhões, vão sendo reajustados para 10, 20, 30. E se nós
tivéssemos um conselho de responsabilidade fiscal, o governo seria cobrado para
evitar esse tipo de desperdício.
Miriam Leitão:
Candidata, no tripé, é complicado, porque assim, por exemplo, a tendência do
dólar é subir. Se o dólar subir – e o dólar é flutuante, um dos pés do tripé é
o dólar flutuante - aí isso impacta a inflação. Se o Banco Central intervir,
isso vai estar controlando, portanto, não está afetando, não está permitindo
esse tripé de funcionar. Quer dizer, tem várias coisas difíceis. Cortar os
gastos pode aumentar a recessão. Como é que a senhora vai fazer esse
restabelecimento do tripé?
Marina Silva: É
que cortar o gasto ineficiente não significa necessariamente não fazer os investimentos.
O corte do gasto ineficiente...
Miriam Leitão: Mas
o que que é o gasto ineficiente?
Marina Silva: O
gasto ineficiente são esses que eu falei com esses projetos como nós temos
inúmeros, em que você começa um investimento... As obras do São Francisco, por
exemplo: o planejamento inicial era de X bilhões, agora o céu é o limite. As
obras de Belo Monte, o planejamento inicial era uma quantidade de recursos e
vão sendo aditados. Isso tem a ver com a ineficiência do gasto público.
Chico Pinheiro: A
senhora acha que o conselho resolve isso?
Marina Silva: O
conselho ajuda a dar transparência, o conselho ajuda a fazer com que as contas
públicas sejam transparentes. Hoje nós não sabemos exatamente o tamanho e a
qualidade desse gasto, porque não há transparência, porque é feito de forma
maquiada mesmo, como se costuma chamar.
Ana Paula Araújo:
Mas, candidata, ano que vem teremos um ano difícil. Há muitos preços que estão
hoje represados. O que que a senhora vai fazer com relação a isso para que não
pese ainda mais na inflação no ano que vem?
Marina Silva: Os
preços administrados para o controle artificial da inflação é o que esse
governo está fazendo. A presidente Dilma já está pondo a mão na consciência e
tomando algumas providências. Ela é a presidente da República. Ela tem que
resolver esse angu de caroço que colocou o Brasil, manipulando os preços
administrados para ter bons resultados no que concerne a inflação – e mesmo
assim, ela está alta – para ganhar dividendos políticos. É por isso que eu sou
contra a reeleição. Sabe por quê? Porque na reeleição você não faz o que é
preciso e estratégico para o país, faz o que é preciso e necessário para se
reeleger em prejuízo da nação. A presidente Dilma tem que assumir a sua responsabilidade
com o que está sendo feito. Ela sinalizou que vai demitir o ministro no próximo
governo.
Chico Pinheiro:
Vamos falar da sua campanha.
Marina Silva: O
problema é que a sociedade brasileira, me parece, já está a caminho de demitir
os dois. Porque o que está sendo feito é uma irresponsabilidade com o Brasil.
Ana Paula Araújo:
Queria sair um pouquinho agora da economia, a senhora em uma entrevista recente
à "Folha de S. Paulo" quando foi perguntada sobre os ataques que
sofreu por parte do ex-presidente Lula, a senhora chorou. Esse choro não
reforça uma imagem de fragilidade perante o seu eleitor? Uma imagem que a
senhora nega.
Marina Silva: Eu
não nego, eu sempre, parece até vaidade, mas eu sou uma pessoa sensível. Eu...
Ana Paula Araújo: Eu
não falei insensibilidade e, sim, de fragilidade.
Marina Silva:
Não, não é fragilidade. Quem foi que disse que um Presidente da República não
tem emoções? Eu, há 30 anos de vida pública, ninguém nunca me viu tergiversar.
Chico Pinheiro: Por
que a senhora chorou?
Marina Silva:
Olha, é uma coisa até estranha de falar porque foi fora da entrevista, né. Eu
estava diante de uma jovem, filha de uma pessoa com a qual eu tive relação
histórica. Eu conheço muitos jornalistas que termina a entrevista e fica
conversando com você e eu naquele contexto estava falando, inclusive, das
minhas filhas que têm a mesma idade da jovem que estava me entrevistando, filha
de um ex-companheiro do PT. E essas minhas filhas me disseram uma vez que elas
tinham um pesar muito grande em relação ao álbum de fotografia delas, porque o
álbum de fotografia delas, quando crianças, era sapatinho vermelho, chapeuzinho
vermelho, botinho do PT, tudo do PT, o maior orgulho das fotos que tinham com o
Lula, com os líderes do PT. E a minha filha disse: "Mãe, o que foi feito
com a gente? A gente tinha tanto orgulho do nosso álbum de fotografia e agora a
gente não tem mais orgulho da nossa roupinha vermelha, do nosso chapeuzinho
vermelho". Eu estava me referindo a um contexto muito delicado...
Chico Pinheiro: E
por isso a senhora ficou emocionada?
Marina Silva:
Obviamente.
Ana Paula Araújo: A
senhora não acha que tem uma imagem de fragilidade perante o eleitor?
Marina Silva: É
possível que tenha, as pessoas têm muito preconceito com pessoas com a minha
origem e talvez pelo fato de ser uma pessoa que teve que passar por muitos
problemas de saúde, mas eu costumo brincar com isso, sabe. Eu até fiz uma
metáfora, né, da biorana preta e da biorana branca. É uma madeira, não é tão
grossa, mas é âmago puro. Ter enfrentado cinco hepatites, cinco malárias, três
hepatites, uma leishmaniose, perder a mãe aos 14 anos, ter sido alfabetizada
aos 16 anos, ter passado o que eu passei, vir me dizer que isso é fragilidade e
me pedir para não ter emoções, sinceramente. Eu já vi tantas vezes líderes
chorando e não é por isso que eles são mais fracos ou menos fracos, muito pelo
contrário. Uma das coisas que mais emocionou foi no dia que o presidente Lula
foi ser empossado e que ele pegou o seu diploma e disse: "Eu que nunca
estudei, agora estou recebendo meu primeiro diploma, de Presidente da República
Federativa do Brasil" e caiu no choro, eu caí no choro também. E mesmo que
o Lula ali me pedisse: "Marina, não chore comigo chorando", ele não
ia conseguir segurar as minhas lágrimas. Eu sou uma pessoa sensível, mas não se
pode confundir....
A
na Paula Araújo:
Agora...
Marina Silva:
...sensibilidade com fraqueza.
Ana Paula Araújo: Ok.
Marina Silva: As
pessoas que não se deixam emocionar, essas, sim, podem ser muito fracas.
Ana Paula Araújo:
Agora, candidata, a senhora já esteve melhor nas pesquisas eleitorais. A
senhora sempre diz que tem pouco tempo na propaganda eleitoral, mas a gente
sabe que campanha eleitoral não é só tempo de televisão. Minha pergunta é: a
senhora acha que nesse momento da campanha está tendo dificuldade de convencer
o eleitor da consistência da sua candidatura?
Marina Silva: A
minha candidatura é muito consistente. Você já imaginou o que é perder um
companheiro de chapa em um acidente trágico? Você que já tinha se colocado no
lugar de vice, assumir uma eleição em dois meses, fazer tudo que tivemos que
fazer com partidos pequenos, começar tudo do zero, inclusive, toneladas de
material que a gente tinha feito de Eduardo e Marina, a gente teve que
descartar todo esse material. Até agora, na maioria dos estados, nem chegou o
nosso material. Nós estamos com dois minutos de televisão e não temos as estruturas
que os nossos concorrentes têm, nem o poder de vocalização que eles têm e,
mesmo assim, nós estamos aonde estamos. Eu só tenho a agradecer a capacidade do
povo brasileiro...
Miriam Leitão:
Candidata...
Marina Silva:
...de mostrar que quem vai ganhar essa eleição, não são as velhas estruturas, é
uma nova postura.
Miriam Leitão:
Candidata, a senhora falou em diminuir o papel dos bancos públicos, mas os
bancos públicos financiam a infraestrutura no Brasil, todo o investimento de
longo prazo, a moradia popular, por exemplo, e a senhora não especificou,
exatamente, que papéis eles vão deixar de fazer. Quer dizer, aonde vai cortar
esse papel dos bancos públicos?
Marina Silva:
Eles vão...
Chico Pinheiro: Só
lembrar, candidata, que a gente tem mais um minuto e meio para a senhora,
por favor. Obrigado.
Marina Silva: Os
bancos públicos vão continuar para a finalidade social que eles têm: no
investimento correto, o "Minha Casa, Minha Vida", os investimentos
para a agricultura. E isso está no nosso programa.
Miriam Leitão: Mas
não vai enfraquecer os bancos?
Marina Silva: Não
vai enfraquecer os bancos. O que enfraquece os bancos é pegar o dinheiro do
BNDES e dar para meia dúzia de empresários falidos, uma parte deles, alguns
deles que deram, enfim, um sumiço em bilhões de reais do nosso dinheiro. Esse,
sim, nós vamos parar com o mau uso. O uso político dos bancos públicos não
teremos mais. Nós vamos valorizar a prata da casa, os funcionários públicos. Os
partidos não vão ter um pedaço da Caixa Econômica e do Banco do Brasil para
chamar de seus.
Miriam Leitão: Mas
várias empresas fazem bons investimentos e precisam desse...
Marina Silva: Nos
bons investimentos, os bancos públicos têm um papel fundamental e importante. É
preciso que a iniciativa, enfim, o financiamento que não é público seja um
financiamento complementar. E para os investimentos sociais: "Minha Casa,
Minha Vida", para a agricultura, nós vamos manter.
Miriam Leitão: A
senhora sabe quanto vai conseguir reduzir? A senhora sabe quanto vai reduzir?
Chico Pinheiro: A
senhora tem um cálculo mais ou menos disso?
Marina Silva: Nós
estamos fazendo a discussão em relação à qualidade desses investimentos,
principalmente no caso do BNDES, que ali que foi o lugar aonde se tirou o
dinheiro do contribuinte para dar para meia dúzias de empresas serem as
campeãs. Nós queremos é um ambiente favorável em que todos possam ser
beneficiados, os investimentos estratégicos dos programas sociais, pode ter
certeza, e a valorização da Caixa Econômica, do Banco do Brasil, do BNDES,
valorização e o preenchimento das suas diretorias por comitê de busca, não por
apadrinhados políticos. A mesma coisa que nós vamos fazer na Petrobras, na
Eletrobras...
Chico Pinheiro:
Candidata Marina Silva, muito obrigado pela sua participação aqui no Bom Dia
Brasil. A senhora que tem dois minutos, teve 30 minutos aqui para expor mais as
suas ideias. Agradeço muito a sua presença.
Marina Silva:
Olha, pensando assim, isso dá quantos programas de televisão meus, Chico?
Ana Paula Araújo:
Quinze.
Marina Silva:
Tomara que eu tenha me saído bem.
Ana Paula Araújo:
Obrigada, candidata pela sua presença. Obrigada.
Marina Silva:
Obrigada a vocês.
Fonte:
http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2014/09/bom-dia-brasil-entrevista-marina-silva.html