Por: Petrônio Carvalho
Ocorrem neste nosso país fatos que fogem à sensatez. Pessoas
que vivem muito bem, com altos salários, não têm sensibilidade para entender
que ainda estamos no chamado terceiro mundo (e olhe lá!...).
Leio que o Clube Caiçaras, no Rio de Janeiro, mantinha
programa para menores carentes trabalharem como boleiros de tênis, ganhando,
além de salário, alimentação, chance de aprender o esporte, e um dinheirinho de
gorjetas, chegando tudo a mais de R$ 1 mil por mês. Além disso o clube fazia um
rigoroso controle de frequência escolar e notas.
Aí vai lá o representante do Ministério do Trabalho e proíbe
o programa.
Porra, há que ser coerente. Vamos meditar sobre o espírito da Lei. Vamos ocupar melhor o tempo e percorrer ruas e campo e investigar quem realmente está sendo explorado ou trabalhando em condição subumana.
Porra, há que ser coerente. Vamos meditar sobre o espírito da Lei. Vamos ocupar melhor o tempo e percorrer ruas e campo e investigar quem realmente está sendo explorado ou trabalhando em condição subumana.
É muita hipocrisia!...
Leia o fato,
RIO - Dentro das quadras, enquanto
correm de um lado para o outro atrás de bolinhas amarelas, muitos jovens
começam a se interessar pelo tênis. De tanto observarem jogadores mais
experientes, acabam aprendendo os movimentos e, em pouco tempo, já se arriscam
a manejar a raquete. Não é raro encontrar tenistas de origem humilde que
começaram a carreira como boleiros e se tornaram estrelas do esporte. Foi assim
com Yannick Noah, último francês a vencer Roland Garros, na década de 1980, e
com Teliana Pereira, brasileira mais bem colocada no ranking mundial atualmente
(ela está na 44ª posição). No Rio, as chances que um grupo de meninos de
comunidades carentes que atuavam como boleiros no Clube dos Caiçaras, na Lagoa,
tinham de melhorar de vida foram por água abaixo. Tudo porque o Ministério
Público do Trabalho (MPT) enxergou na atividade uma prática de trabalho
infantil. A suspensão, que ocorreu em agosto passado, veio à tona na
quinta-feira, na coluna de Ancelmo Gois no GLOBO, e provocou polêmica.
Os adolescentes, com idades entre 13 e
16 anos, costumavam levar para casa, para ajudar a família, em média, R$ 900
mensais. Moradores, em sua maioria, do Vidigal, da Rocinha e da Cruzada São
Sebastião, os 26 meninos da última turma de boleiros esperam agora que uma audiência
com o MPT, no dia 31 de março, regularize a situação.
— O fim do programa foi muito ruim para
a gente. Não posso ficar dependendo da minha mãe. Quero ganhar meu dinheiro.
Pretendo terminar o ensino médio e fazer faculdade de educação física para continuar
no tênis como professor — disse João Paulo Medeiros, de 16 anos.
Envolvimento com o tráfico
O jovem, que vive no Vidigal, deu
sorte. Logo após sair do Caiçaras, foi convidado para ser boleiro de uma quadra
na Lagoa. Mas nem todos os outros meninos tiveram a mesma oportunidade. Pelo
menos dois adolescente que saíram do clube no ano passado se envolveram com o
tráfico de drogas, de acordo com funcionários e ex-colegas.
— Agora, muitos deles ficam de bobeira
na comunidade. O clube é um bom ambiente. Infelizmente, conheço alguns que
foram para a boca de fumo. Já vi vários apanhando da polícia por usar drogas.
Um foi levado para o Degase (Departamento Geral de Ações Socioeducativas) por
estar armado — lamentou o professor de tênis Josué Martins, que trabalha há 20
anos no Caiçaras.
Morador do Vidigal, Josué foi boleiro
do clube em 1996 e hoje trabalha como batedor, lançando as bolas para os
tenistas. Com a ajuda dos sócios, conseguiu pagar a faculdade de educação
física, concluída no ano passado.
— O clube mudou minha vida. Conhecendo
os sócios, consegui cursar uma faculdade. Fizeram uma vaquinha e, todo mês, me
ajudavam a pagar — contou.
Vice-comodora de tênis do Caiçaras,
Irene Werneck destaca que, dos nove professores do esporte que trabalham no
clube, oito foram boleiros. Ela diz que outros seis ex-boleiros exercem
atividades administrativas:
— Nosso trabalho era de formação. No
clube, eles tinham todo o suporte. Recebiam material escolar. Se precisassem,
também conseguíamos tratamento oftalmológico, por exemplo. Oferecíamos ainda
palestras, cinema e teatro. Os sócios davam apoio.
Responsável pelo processo contra o
Caiçaras, a procuradora Dulce Martini Torzecki afirma que a Constituição proíbe
o trabalho de adolescentes com menos de 16 anos, a não ser que eles estejam na
condição de aprendizes. Nesse caso, é possível que jovens a partir dos 14 anos
tenham uma atividade remunerada, desde que façam também um curso prático e
teórico. Segundo ela, é possível que os boleiros se tornem jovens aprendizes.
— Este ano, com as Olimpíadas, estamos
fazendo uma ampliação de cursos de aprendizagem na área de esporte. O aprendiz
tem direitos mais garantidos. Uma situação sem vínculo, recebendo um salário
flexível, como acontecia no clube, é algo mais delicado. Em março, vamos botar
todos os pingos nos “is”, buscar soluções. Não queremos acabar com o projeto, é
só uma questão de adequação — afirma a procuradora.
Irene Werneck garante que está aberta
para debater o tema e tentar retomar o mais rapidamente possível o programa de
boleiros.
— É muito triste ver um trabalho de
mais de 50 anos acabar dessa forma. Tentamos, junto ao advogado do clube,
resolver a questão, mas não encontramos respaldo na legislação — conta a
vice-comodora.