BRASIL
- A decisão do governo americano de suspender a importação da carne fresca
brasileira terá leve impacto econômico imediato no mercado, mas poderia abalar
a já frágil relação com os Estados Unidos, que é o maior produtor e consumidor
de carne bovina do mundo.
Entre
janeiro e maio de 2017, importações de carne brasileira in natura pelos
americanos somavam 11,7 mil toneladas, num total de US$ 49 milhões (R$ 163
milhões), segundo dados da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de
Carnes (Abiec).
Isso
representa apenas 2,7% do total de exportações brasileiras de carne fresca.
Considerando tudo o que o Brasil vende ao exterior, a fatia americana que
sofreu a sanção representa 2,2% das exportações, já que a carne fresca abrange
mais de 80% das vendas brasileiras.
Mas
apesar do montante não tão expressivo, a abertura do mercado americano ao
Brasil era um fato inédito.
"Os
EUA nunca tinham se aberto para importações in natura brasileiras.
Isso aconteceu ano passado depois de anos de negociações e já está sendo
revertido", comenta o presidente da Associação de Comércio Exterior do
Brasil (AEB), José Augusto de Castro.
"São
duas péssimas notícias juntas, porque recentemente a China, nosso principal
mercado, anunciou que abrirá as portas para os EUA. Então além de perder nos
EUA, vamos também ter maior competição na China", acrescentou.
Além
disso, como os Estados Unidos são vistos como um país que têm um rígido
controle sanitário, servindo de vitrine para outros que poderiam se espelhar na
decisão americana e eventualmente também suspender importações do Brasil,
embora isso não tenha sido aventado até o momento por nenhum governo.
'Preocupações
de segurança'
A
medida foi anunciada nesta quinta-feira pelo Departamento de Agricultura dos
Estados Unidos (USDA, na sigla em inglês) e cita "constantes preocupações
com a segurança dos produtos" que se dirigem ao mercado americano.
A USDA
informou que o bloqueio será mantido até que o Ministério da Agricultura do
Brasil tome medidas corretivas.
Desde
março, após a deflagração da Operação Carne Fraca - quando a Polícia Federal
cumpriu mandados contra fiscais suspeitos de receber propina para permitir a
venda de produtos adulterados -, os americanos têm inspecionado 100% da carne
que chega do Brasil.
Até
agora, 11% foi recusado - o que está bastante acima da taxa de rejeição, de 1%,
do resto do mundo. Os Estados Unidos negaram a entrada de cerca de 860
toneladas de carne brasileira devido a preocupações relacionadas à saúde,
informou a USDA.
"Embora
o comércio internacional seja uma parte importante do que fazemos na USDA, e o
Brasil há muito seja um de nossos parceiros, a prioridade é proteger os
consumidores americanos", comentou o secretário da Agricultura dos EUA,
Sonny Perdue.
O
documento não dá detalhes dos problemas sanitários da carne brasileira, mas
cita a decisão do Ministério da Agricultura, na semana passada, de suspender as
exportações de carne de cinco frigoríficos para os Estados Unidos.
A ação
americana, portanto, torna mais abrangente a suspensão do ministério.
Na
ocasião, a decisão brasileira foi tomada porque foram identificadas reações
irregulares no gado à vacina da febre aftosa.
Uma
reação à imunização provocou abscessos em lotes dos bois. O ministério abrirá
sindicância para apurar o tipo de reagente utilizado, e se de fato ele causa
esse resíduo nas carnes.
Nas
redes sociais, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, lamentou o embargo de
13 frigoríficos - cinco dos quais já tinham sido suspensos pelo Brasil. E
informou que viajará aos Estados Unidos para "prestar todos os
esclarecimentos necessários".
"Asseguro
que todas as medidas corretivas, para as exigências que eles nos fazem, já
estão sendo tomadas e nosso objetivo continua o mesmo: garantir o mercado
existente e ampliar nossas exportações de 7% para 10% num período de 5
anos", comentou no Facebook.
Em
comunicado à imprensa, o ministro acrescentou que a metodologia de inspeção
será mais rigorosa e que "lutará para retomar a venda de carne fresca ao
país (EUA), por ser um mercado muito importante".
Para a
Abiec, a suspensão poderá ser revertia em breve.
"Baseado
no próprio comunicado norte-americano, a entidade acredita que, confirmado o
encontro e a apresentação das medidas para correção das irregularidades
encontradas, as exportações podem ser retomadas a curto prazo", disse em
nota.
Longa
negociação
Após
anos de discussões que envolveram ambos os governos, os Estados Unidos abriram
seu mercado ao Brasil em setembro do ano passado. O acordo previa uma cota
inicial de importação de 64 mil toneladas por ano da carne brasileira, segundo
a Abiec.
Como
um dos grandes exportadores de carne bovina do mundo, o Brasil tem bastante
interesse no mercado americano.
"Encerrando
uma luta de mais de 15 anos do setor, foi anunciado o tão aguardado acordo que
libera a exportação de carne bovina brasileira in natura para os
Estados Unidos", comentou a associação em agosto de 2016.
Em um
comunicado divulgado pela USDA na época do acordo, o então secretário da
Agricultura dos Estados Unidos, Tom Vilsack, também celebrou a novidade.
"Estamos
satisfeitos pelo fato de que o Brasil, um dos principais países produtores e de
negócios agrícolas, alinhou-se com os padrões internacionais com base em
evidências científicas."
O
documento informou que o Brasil é classificado como de "risco
insignificante" de encefalopatia espongiforme bovina, ou doença da vaca
louca, e que está de acordo com as diretrizes científicas internacionais de
saúde animal da Organização Mundial para a Saúde do Animal (OIE, na sigla em
inglês).
Mas a
histórica dificuldade de se estabelecer relações comerciais entre os países
tinha mais uma motivação protecionista do que sanitária, diz José Augusto de
Castro, da AEB.
"Era
puramente econômica, porque são os dois mercados mais fortes. Essa reação da
vacina não causa danos à saúde, mas deixa a carne com uma aparência menos
atraente para a venda."
Embora
a fatia inicial de trocas comerciais entre os dois países seja reduzida em
relação ao total, os Estados Unidos são o maior comprador de carne bovina do
mundo, e a expectativa era de se aumentar progressivamente a importação do
Brasil.
Dados
divulgados pelo governo brasileiro mostram que os EUA produziram, em 2015, 10,9
milhões de toneladas, ou 18,58% do total mundial, de 58,4 milhões de toneladas.
Os americanos consomem 11,4 milhões de toneladas, ou 20,2% do consumo mundial,
de 56,5 milhões de toneladas.
No
acordo estabelecido entre os dois países em agosto de 2016, 14 Estados
brasileiros livres da febre aftosa ficaram aptos a vender carne in natura para
o mercado americano.
Os
Estados Unidos já são grandes importadores de carne industrializada do Brasil -
que não foi afetada pela medida desta quinta-feira.
Segundo
a Abiec, entre janeiro a maio deste ano, os americanos compraram quase dez mil
toneladas, num valor total de R$ 85 milhões. Em termos gerais, o valor
representa 4% do total de exportações brasileiras.
Ecos
da Carne Fraca
Desde
março, o Brasil ainda vem se recuperando dos ecos da Operação Carne Fraca,
embora os resultados tenham sido bem menos catastróficos do que os estimados.
Segundo
Castro, ainda há embargo em poucos países menos expressivo entre os 160 para os
quais o Brasil exporta carne.
Mas
dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic),
compilados pelo AEB, mostram que, de janeiro a maio deste ano, o Brasil
exportou 424 mil toneladas de carne, 10,6% a menos do que o mesmo período do
ano passado.
Enquanto
isso, por causa da oferta menor, o preço da tonelada aumentou 6,7% nesse
período para US$ 4.132 (R$ 13.791).
"Provavelmente,
o Brasil tirou vantagem do fato de haver poucos grandes produtores de carne que
teriam capacidade de suprir o espaço deixado pelo país", explicou Castro.