A Alemanha espera que a Grécia avance com
reformas acertadas como parte de seu terceiro pacote de resgate, disse o
porta-voz do governo Steffen Seibert nesta sexta-feira após Alexis Tsipras
renunciar ao cargo de premiê e pavimentar o caminho para eleições antecipadas.
“A manobra do premiê
Tsipras não é surpreendente”, disse Seibert em entrevista regular em Berlim. “É
claro, o governo, assim como outros parceiros europeus da Grécia, espera que o
acordo que está neste programa seja implementado”, disse.
Um porta-voz do
Ministério das Finanças acrescentou: “Esperamos que as reformas prometidas
sejam implementadas até o outono. Caso haja atrasos no exame do programa devido
às novas eleições, isso significaria que os desembolsos seguintes seriam
atrasados.”
Entenda a Crise na Grécia
1. Qual é a causa da crise grega?
Na raiz da crise grega está uma dívida de aproximadamente 320
bilhões de euros (mais de R$ 1 trilhão), que o país simplesmente não tem
condições de pagar. A explicação mais simples para esta crise é que, durante
muitos anos, o país gastou bem mais do que arrecadava, e financiava os gastos
através de empréstimos.
A Grécia já fazia isso antes de adotar o euro. E o governo
continuou gastando mais do que podia, mesmo após a chegada do euro, em 2001.
O gasto público, por exemplo, aumentou cerca de 50% entre 1999 e
2007, muito mais do que em outros países da zona do euro. E, somado aos problemas de corrupção e
evasão fiscal, esse gasto provocou um déficit muito acima de 3% do PIB, limite
imposto a todos os países da zona do euro.
Empréstimos que não foram declarados para a zona do euro também
fizeram com que a dívida do país ultrapassasse significativamente os 60% do PIB
estabelecidos como limite de dívida para os países da zona do euro.
Mas o problema
só ganhou contornos graves quando a crise financeira global limitou o acesso do
país ao crédito, o que motivou a intervenção de outros países da zona do euro,
que temiam o impacto da suspensão dos pagamentos ou default. Para muitos
economistas, essa intervenção, ou seja, novos empréstimos concedidos sob a
condição de que o país impusesse várias medidas de austeridade, acabou piorando
a situação da Grécia.
2. O que está sendo feito para a Grécia sair da crise?
O primeiro
pacote de ajuda financeira à Grécia foi aprovado pela União Europeia e o FMI em
maio de 2010. Naquele momento, o governo grego recebeu 110 bilhões de euros
(cerca de R$ 380 bilhões) para honrar seus compromissos com os credores que,
naquele momento, em sua maioria, eram bancos privados europeus.
Logo ficou claro que esta quantia não seria suficiente e um
segundo resgate elevou a cifra total para 240 bilhões de euros (R$ 832
bilhões). E, nos dois casos, como condição para facilitar a liberação do
dinheiro, o país teria que implementar uma série de medidas de austeridade.
Entre estas, estavam drásticos cortes nos gastos públicos, aumento
de impostos e reforma no sistema de previdência e no mercado de trabalho. Mas o
atual governo grego, que chegou ao poder no começo do ano com uma plataforma
contra a austeridade, vem tentando renegociar algumas destas condições para
conseguir um novo pacote de resgate estimado em mais 29,1 bilhões de euros.
3. Qual foi o impacto das medidas contra a crise? Elas funcionaram?
Para saber se as
medidas associadas ao resgate financeiro funcionaram, primeiro é preciso
lembrar os seus principais objetivos.
Se o objetivo
era proteger o euro, então as medidas parecem estar funcionando, pelo menos por
enquanto. Efetivamente, os empréstimos coordenados pelo FMI, Comissão Europeia
e Banco Central Europeu ajudaram a reduzir o impacto da crise grega sobre a
moeda do bloco.
Mas economistas como Paul Krugman e Joseph Stiglitz, ganhadores do
prêmio Nobel de economia em 2008 e 2001, respectivamente, afirmam que as
medidas não fizeram nada para melhorar a situação ou as perspectivas da Grécia.
A estimativa é
que a economia do país tenha encolhido em 25% desde o início dos programas de
austeridade, o que acentuou sua dependência de créditos externos. O impacto das
medidas foi brutal para o povo grego: a taxa de desemprego está em 26%, a mais
alta de toda a União Europeia. Entre os jovens, esta taxa supera os 60%.
Milhões de gregos vivem abaixo da linha da pobreza. Esta situação
acabou levando ao poder o Syriza, coalizão de partidos de esquerda que melhor
soube reconhecer a insatisfação gerada pelas medidas de austeridade.
E as tentativas do governo atual de renegociar as condições de
pagamento da dívida acabaram levando a crise ao seu momento mais delicado. Ou,
pelo menos, a um momento de definição que poderia ter consequências importantes
para o futuro da moeda comum.
4. Qual é a situação atual?
O cenário mais
temido no começo da crise, o calote, começou a se tornar realidade na noite de
terça-feira, quando a Grécia não conseguiu pagar 1,5 bilhão de euros ao FMI.
A Grécia se
transformou no primeiro país desenvolvido a não pagar o FMI e seu calote é o
maior da história da instituição, apesar de não ter sido declarado tecnicamente
como tal. Naquela terça-feira, também venceu o último programa de ajuda
financeira, assim que o governo grego declarou que não aceitava a última série
de condições impostas pelas instituições internacionais, pois via estas como
"humilhantes".
O governo de Alexis Tsipras já tinha anunciado antes que deixaria
a decisão final sobre a aceitação ou não das medidas impostas pelos credores
para novos empréstimos nas mãos dos cidadãos gregos e, por isso, convocou um
plebiscito. De acordo com as últimas pesquisas de opinião, a maior parte dos
gregos estão inclinados a rejeitar as medidas de austeridade.
Mas a vantagem do "não", favorecida por Tsipras, tem
diminuído depois que o governo grego fechou os bancos por uma semana e limitou
a retirada de dinheiro dos bancos do país. O governo grego diz que está aberto
a acordos de última hora. Mas, até o momento, suas contrapropostas foram
consideradas insuficientes.
E a chanceler alemã, Angela Merkel, já disse que vai esperar o
resultado do referendo antes de pensar em retomar a negociação com a Grécia.
5. Quais os pontos mais polêmicos?
Em sua última contraproposta, o governo grego aparentemente teria
aceitado a maior parte das exigências do FMI, Comissão Europeia e Banco Central
Europeu. Mas ele pediu um tempo maior para implementar a reforma do sistema de
Previdência, uma das principais exigências de seus credores. O governo grego
também resiste em implementar a cobrança, em várias de suas ilhas mais
turísticas, do IVA, uma espécie de imposto sobre circulação de mercadorias.
Os líderes da zona do euro, no entanto, não se mostraram dispostos
a abrir novas negociações. Para muitos, as principais diferenças agora não são
mais técnicas, mas políticas; alguns analistas acham que os principais líderes
da zona do euro podem estar querendo derrubar o governo de Tsipras para evitar
que sua postura antiausteridade contamine outros países da região.
6. E então, os gregos decidirão sobre o quê?
A pergunta do
plebiscito é muito específica e foi redigida em uma linguagem muito técnica.
Não é muito fácil entender.
O texto que se lê na cédula do plebiscito: "Deve ser aceito o
acordo proposto, que foi apresentado pela Comissão Europeia, o Banco Central
Europeu e o Fundo Monetário Internacional no Eurogrupo de 25.06.2015 e consiste
de duas partes, que constituem sua proposta unificada?". E aí o eleitor
pode votar sim ou não.
Os pontos centrais da proposta são uma ampliação da base do imposto
IVA e uma redução drástica no número de pessoas que podem optar por uma
aposentadoria antecipada. E os credores também exigem mais ações para reduzir a
evasão fiscal e acabar com a corrupção.
O governo grego afirma que as exigências específicas da Comissão
Europeia, Banco Central Europeu e FMI além de serem pouco eficazes também são
humilhantes e, por isso, inaceitáveis.
E, para o
governo grego, a questão é muito mais simples: os gregos devem continuar
padecendo por causa de mais medidas de austeridade ou não?
Esta decisão poderia determinar a continuidade do governo de
Tsipras. Ele já disse que, em caso da vitória do "sim", respeitará a
decisão do público mas não ficará no governo para implementar a proposta do
Eurogrupo. Outros líderes europeus, começando por Merkel, afirmam que a
pergunta do plebiscito é outra.
Eles dizem que o que os gregos vão decidir no domingo é se querem
que seu país continue zona do euro ou não.
7. É inevitável a saída da Grécia da zona do euro no caso de
vitória do "não"?
A verdade é que ninguém sabe ao certo. Não existe nenhum
precedente e até o vice-presidente do Banco Central Europeu, Vitor Constancio,
disse em abril que não havia nenhuma lei que determina a expulsão da zona do
euro em caso de calote.
O governo grego insiste que não está tentando abandonar a moeda e
até insinuou que poderia iniciar processos legais caso os outros países da zona
do euro tentem expulsar a Grécia do grupo. Os principais líderes europeus já
falaram claramente: a votação de domingo é sobre se a Grécia deve ou não
conservar o euro.
E se não existe vontade política de manter a Grécia na zona do
euro, importa pouco o que dizem as leis e regulamentos da União Europeia.
Se o Banco
Central Europeu decidir bloquear completamente o crédito para Atenas, as
autoridades gregas não teriam mais opção a não ser começar a imprimir sua
própria moeda para tentar manter a economia funcionando.
8. Quais seriam as consequências de uma saída da Grécia do euro?
É difícil prever
o comportamento dos mercados nesse caso. Uma possibilidade é que investidores
comecem a exigir juros mais interessantes para compensar os riscos de comprar
títulos de dívidas das economias mais fragilizadas da zona do euro.
Isto afetaria de forma negativa a moeda europeia e aumentaria a
instabilidade em países com peso maior na economia global. E uma Grécia
inadimplente implicaria em grandes perdas financeiras para vários países
europeus.
Além disso, também há o risco de um contágio político.
Efetivamente, se a saída da zona do euro se mostra como opção viável, até
trazendo benefícios para a Grécia, outros países poderiam seguir o exemplo.
E isto poderia colocar a própria União Europeia em risco, pois o
bloco colocou a moeda comum no centro de seu projeto de integração. A saída do
euro poderia também forçar a saída da Grécia da União Europeia.
Mas, como acontece com muitos outros possíveis cenários, tudo vai
depender da vontade política e criatividade dos líderes europeus.
Fonte: BBC