Em busca de uma saída para o labirinto de denúncias, desacertos e
paralisia que assombra o PT, cresce dentro da cúpula do partido a tese de que é
preciso admitir que a legenda cometeu erros e reconhecer, inclusive, que
desvios éticos e morais foram praticados por companheiros importantes, como
José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil de Lula. Embora a ideia do mea-culpa não
conte com o apoio unânime dos petistas, tampouco está concentrada em
personagens isolados. A estratégia é vista por gente da cúpula do PT como
condição de sobrevivência do partido.
Um ministro petista diz que não
é possível ignorar a inteligência dos militantes e da população sobre o que vem
sendo revelado nas investigações de corrupção ocorridas na Petrobras e que
levaram Dirceu à prisão pela segunda vez. O ex-tesoureiro do partido João
Vaccari também foi preso pela Lava-Jato. E, na era Lula, o então tesoureiro
Delúbio Soares e o ex-presidente do partido José Genoino, assim como Dirceu,
sucumbiram sob o mensalão.
“Estamos com o ex-ministro da Casa Civil preso, o ex-tesoureiro do
partido preso. Já tivemos outro tesoureiro preso. Se não fizermos autocrítica,
não vamos conseguir reconstruir o PT”, afirma.
Segundo esse ministro, isso deveria ser o principal foco do partido
neste momento. A visão não tem apoio do presidente do PT, Rui Falcão, que seria
refratário devido aos efeitos da admissão de responsabilidade sobre os
malfeitos cometidos no passado recente por alguns integrantes ilustres da
legenda. Um petista histórico diz que os companheiros de partido vivem um misto
de medo, decepção e irritação. A curto prazo, os desdobramentos da Lava-Jato e
a manifestação de 16 de agosto são alguns fantasmas que os assombram.
A prisão de Dirceu por suspeita de enriquecimento pessoal e ilícito
levou boa parte das forças e da confiança que os petistas tinham nos seus
correligionários. Trouxe ainda decepção para os que ainda acreditavam no
discurso de que a investigação estava sendo turbinada por forças que nutrem
ódio histórico contra o partido, como a “mídia golpista”, tão falada em
discursos inflamados de Lula.
“Eu me arrependo de não ter gritado:
“Zé, não pode misturar o público com o privado. Não pode se locupletar”” disse
um petista histórico ao jornal O Globo.
Sentimento de traição
Esse petista lamenta que esse tipo de atitude e a corrupção revelada
pelas investigações estão “quebrando todo o projeto do PT” e jogando lama no
legado de redução da pobreza e outras marcas do governo Lula. Mudar a política
econômica e reatar com os movimentos populares são outras estratégias que têm
sido discutidas no seio do PT. A perspectiva hoje, no entanto, é que a
recuperação tanto do governo quanto da legenda só virá no próximo ano, quando
há expectativa de melhora da economia.
Enquanto isso, o fosso entre PT e governo aumenta. Há menos de 2 meses,
o ex-presidente Lula afirmou em reunião com religiosos que a presidente Dilma
havia feito promessas que não cumpriu, que prometeu não mexer nos direitos
trabalhistas e mexeu. Esse sentimento de traição, demonstrado por setores da
sociedade que a apoiaram no 2º turno, é o mesmo nos bastidores do partido.
Em vista desse quase divórcio, dirigentes falam, em algumas ocasiões e
sempre a sete chaves, que o melhor seria a presidente renunciar antes de
atravessar um processo de impeachment, algo que, avaliam, ela não executará.
Para esses dirigentes, um longo processo de impeachment não só “sangraria” o
partido, mas deixaria o país mergulhado em crise ainda maior.
O problema de Dilma é que ela não ouve conselhos, avaliam Lula e
dirigentes da legenda. Em encontro com parlamentares, o ex-presidente disse
que, mesmo quando os aceita, demora a agir. Como Dilma não cumpriu promessas de
campanha e abraçou política econômica de austeridade, os laços que estavam
sendo refeitos com os movimentos sociais praticamente se partiram.
“Os movimentos não são braços do partido e nem devem ser. O governo tem
de dialogar sempre. É preciso abrir canais de comunicação. As elites têm seus
canais e seus instrumentos de pressão”, disse Luiz Dulci, diretor do Instituto
Lula, em reunião com os movimentos sociais quarta-feira em São Paulo, apontando
que o país vive, como a América Latina, uma “ofensiva conservadora”.
Essa ideia de reação com apoio popular tem sido propalada por Lula e
pelos principais dirigentes do PT. O problema é conciliar a luta popular com
uma política econômica que corta gastos e ameaça direitos. E, mais que isso,
abrir um diálogo com movimentos mais distantes do partido, como o MTST, que
pede políticas de moradia.
Quanto a isso, Dilma sinalizou na quinta-feira que vai adotar as
reivindicações do movimento, e Rui Falcão tem conversado com dirigentes
sem-teto. O MST, por sua vez, cobra reforma agrária, e o governo acenou, também
na semana passada, com o aumento do orçamento para a política agrária.
Para os petistas, a manifestação da oposição no dia 16 será
“monstruosa”, levando multidões para a rua. A contraofensiva partirá dos atos
de “apoio à democracia” marcados para o dia 20 em todo o país. Mas já se
calcula que eles devem ser menores do que os da oposição.
Fundadores criticam busca por cargos
As culpas do governo, apontam os petistas, são muitas. Mas as do partido
são sempre minimizadas pelos dirigentes. Fundadores do PT, que estavam à mesa
da ata de criação do partido, 35 anos atrás, criticam a busca do partido por
cargos e eleições. O ex-governador gaúcho Olívio Dutra diz que há eleições que
é melhor perder: “A ideia da política é construir o bem comum com protagonismo
das pessoas, não essa coisa do ‘toma lá, dá cá’. As atitudes erradas
violentaram essa arca do tesouro, que não é só petista”.
Com reflexões como “baixamos a guarda” e “afrouxamos porque não
estávamos em cima, cobrando”, Olívio diz que perdeu ilusões, “mas a esperança,
jamais”, e que o PT tem de admitir erros.
“Tem gente até presa. Feriram o patrimônio ético e moral, e a direção
(do partido) tem de dizer isso. Falta dizer publicamente e pedir desculpas ao
povo, e não às elites”, ressalta Olívio, para quem “há derrotas que ensinam
mais que vitórias”.
O suposto enriquecimento pessoal de Dirceu deixou o partido constrangido,
rompendo a ideia de que eventuais malfeitos serviriam apenas para a construção
do projeto político.
Um dos nomes próximos de Lula, o prefeito de São Bernardo do Campo, Luiz
Marinho, afirma que as investigações sobre Dirceu têm muito “diz-que-diz” e que
não há comprovação de enriquecimento.
“Se comprovado (o crime), agrava a situação do Dirceu, não do governo”,
rebate, e diz que os delatores têm sido vistos pela mídia “como inocentes”.
Em ato de apoio ao Instituto Lula, na sexta-feira, Marinho também
defendeu Dilma: “A presidente admitiu erros. Vocês querem que ela fique de
joelhos?”
O sindicalista aposentado Paulo Skromov liderava o Sindicato dos
Coureiros e coordenou a mesa de políticos que fundaram o PT. “O PT hoje é um
partido que só se ocupa de eleições. É só tocar mandatos parlamentares e
executivos. É um partido que confiou demais na classe dominante”, diz ele, que
continua petista.
Para Skromov, a saída do PT é retornar ao seu pensamento inicial e
migrar para a esquerda, porque hoje seria “de centro-esquerda”. Ele disse não
acreditar nas denúncias de corrupção.
Além de enfrentar a pior crise de sua história, o PT pode ficar
completamente sem dinheiro se perder a disputa com o TSE e ter 3 meses de
repasse do Fundo Partidário suspensos, além de pagar multa de R$ 4,9 milhões ao
tribunal. Até mesmo seu sistema online de recebimento de doações, anunciado no
1º semestre, ainda não opera. Márcio Macedo, tesoureiro do partido, que sucedeu
a Vaccari, diz que o sistema de doações será implantado nos próximos dias.
Dirigentes do PT avaliam que o processo de reabilitação levará mais do
que quatro anos e que Lula jamais concorreria à Presidência. Ele estaria muito
mais preocupado com seu legado.
A existência do PT como partido forte, capaz de disputar o poder
central, vai depender da autocrítica pública e de uma mudança de postura, na
avaliação de outro ministro. Para esse petista, ou o PT faz esse mea-culpa e
volta, ou vai se transformar numa legenda de “gueto”, “pequena e raivosa”.