BRASIL - Em seus depoimentos de delação
premiada, o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado fez uma comparação
inusitada: a Petrobras é “a madame mais honesta dos cabarés do Brasil". Em
seguida, colocou na dança outros seis órgãos, apenas para citar que há organismos
estatais com práticas menos ortodoxas do que a estatal de petróleo, alvo da
Operação Lava-Jato.
A investigação na “madame mais honesta" já fez brotar,
no Supremo Tribunal Federal (STF), 59 inquéritos contra 134 investigados. No
Supremo e no Superior Tribunal de Justiça (STJ), há ainda 11 denúncias contra
38 pessoas — números que poderão alcançar um patamar ainda mais elevado, caso a
apuração se alastre por outras áreas do governo.
Na primeira instância, a apuração da
força-tarefa da Lava-Jato foi além dos campos de petróleo e refinarias. Chegou
a outros palcos, como usinas nucleares, caso da Eletronuclear e a construção de
Angra 3, e a ministérios, como o do Planejamento e da Saúde. Cresceu tanto que
saiu de Curitiba, onde as ações são julgadas pelo juiz Sérgio Moro, e passou
para outros estados, como o Rio. São 41 acusações criminais instauradas pelo
país no primeiro grau da Justiça contra 207 pessoas, desde que a Lava-Jato foi
deflagrada em março de 2014.
Um ano depois da primeira fase da operação,
completado em março de 2015, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot,
pediu ao Supremo a abertura de 28 inquéritos contra 50 pessoas com e sem foro
privilegiado. Desde então, pelo levantamento obtido junto à Procuradoria-Geral
da República, o número de alvos de inquéritos no STF já aumentou 168%. Passou
de 50 a 134. As delações do ex-senador Delcídio Amaral, do ex-presidente da
Transpetro e a derrubada de sigilo dos inquéritos podem fazer o número crescer
ainda mais. Machado, por exemplo, citou 25 políticos em seus depoimentos aos
procuradores, incluindo o presidente interino Michel Temer.
Esses números refletem uma situação que,
espero, seja excepcional, disse o professor Joaquim Falcão, da FGV Direito Rio.
O Supremo não consegue dar conta de várias atividades, e não somente dessa
(julgar pessoas com foro privilegiado). Tem que haver uma descentralização para
instâncias inferiores.
O ex-presidente da Transpetro fala sem
pudores do cabaré do Brasil. Diz ele que, desde 1946, havia um padrão para a
roubalheira, o chamado “custo político”, em que empresários pagam um percentual
de propina a agentes públicos. De acordo com Machado, esse percentual é de 3%
no nível federal, de 5% a 10% no estadual e de 10% a 30% no municipal. Na CPI
da Petrobras, em dezembro de 2014, o ex-diretor de Abastecimento da estatal
Paulo Roberto Costa também escancarou as relações pouco republicanas entre
políticos e empresários: O que
acontece na Petrobras acontece no Brasil inteiro, em rodovias, ferrovias,
portos, aeroportos, hidrelétricas.
OBRAS
DE VÁRIAS ‘MADAMES EM LISTA DE DOLEIRO
Outros elementos mostram que o descalabro era
generalizado. Uma lista do doleiro Alberto Youssef, com 750 obras que somam
quase R$ 12 bilhões, nas mais diversas áreas, chancela as afirmações de Machado
e de Paulo Roberto sobre esses esquemas ilegais. Ao ter a planilha do doleiro
em mãos, o juiz Sérgio Moro a classificou como perturbadora. Para ele, a lista
sugere que os casos “vão muito além” da estatal.
No cabaré brasileiro, Machado disse que há
damas menos honestas do que a Petrobras, como o Departamento Nacional de
Infraestrutura de Transportes (Dnit), a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), o Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), o Departamento Nacional de
Obras Contra as Secas (Dnocs), a Companhia Docas e os bancos públicos, como o
Banco do Nordeste. Todos são órgãos velhos conhecidos do noticiário policial.
O Dnit, por exemplo, nasceu de um escândalo. A
autarquia foi criada com a extinção do Departamento Nacional de Estradas de
Rodagem (DNER). O órgão implodiu no governo de Fernando Henrique Cardoso, após
a descoberta da "máfia dos precatórios", em 1999. A mudança de nome
não fez cessar as denúncias.
Desde então, é escândalo atrás de escândalo.
Um dos que mais ganhou os holofotes aconteceu em 2011, quando o então
presidente do Dnit, Luiz Antonio Pagot, foi um dos quatro afastados pela então
presidente Dilma Rousseff após a denúncia da revista “Veja” sobre um esquema de
corrupção que incluía superfaturamento de obras e recebimento de propina por
alguns funcionários do Ministério dos Transportes e de órgãos vinculados à
pasta. A denúncia culminou com a
demissão do então ministro Alfredo Nascimento, do PR.
Mas não faltam casos mais recentes. No início
do mês, os Ministérios Públicos Federal e estadual do Ceará estimaram que as
fraudes na concessão de empréstimos pelo Banco do Nordeste, uma das damas
citadas por Machado, chegam R$ 683 milhões, em operações de crédito que
totalizam R$ 1,5 trilhão. As investigações indicam que pelo menos 11 empresas
estão envolvidas no esquema, algumas têm ligação com as investigações da
Lava-Jato. Sinal de que as cortinas desse cabaré vão demorar a se fechar.
NA
LAVA-JATO
Petrobras
A “madame mais honesta”, segundo Sérgio
Machado, é o centro das investigações da Lava-Jato. Descobriu-se, com a ajuda
de delatores, um cartel de empreiteiras que firmou contratos com a Petrobras e,
em troca, pagou propina para agentes públicos e partidos políticos.
Eletrobras
A estatal do setor elétrico acumula denúncias
na Lava-Jato. Nas obras de Angra 3, empreiteiros admitiram repasses de propina
ao ex-presidente da Eletronuclear. Outras grandes obras do setor elétrico, como
Belo Monte e Jirau, são investigadas pelo pagamento de propina. No Amazonas tivemos o Ex- Governador
Eduardo Braga como Ministro.
Caixa
Econômica
O ex-deputado André Vargas e mais duas
pessoas já foram condenadas por recebimento de propina. Eles desviaram verbas
de contratos firmados com a Caixa e a Saúde. Em outra frente, o
ex-vice-presidente do banco Fábio Cleto já teve delação homologada e deve
implicar Eduardo Cunha.
BNDES
Os empréstimos concedidos pelo BNDES a
empresas brasileiras para bancar obras no exterior são alvo de investigação na
Operação Lava-Jato. A suspeita da força-tarefa é que parte do valor emprestado
foi convertido em doação oficial ao Partido dos Trabalhadores pelas
empreiteiras. Tivemos a CPI engavetada
pelo Deputado federal Marcos Rotta pré candidato a prefeito de Manaus.
Planejamento
A Lava-Jato investiga o desvio de até R$ 52
milhões em contratos do Ministério do Planejamento. Empresas do Grupo Consist
Software, que assinaram, sem licitação, contratos com a pasta, repassaram o
valor a operadores do esquema, segundo a investigação da força-tarefa.
OUTRAS
INVESTIGAÇÕES
Banco do Nordeste
O Banco do Nordeste é alvo constante de
escândalos de corrupção, envolvendo em alguns casos cifras bilionárias. No
início do mês, ao apresentar denúncia, o Ministério Público do Ceará estimou
que as fraudes na concessão de empréstimos pela instituição chegam R$ 683
milhões.
Funasa
São muitas as denúncias envolvendo, há anos,
a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) em vários estados. Em 2014, por exemplo,
o Ministério da Saúde afastou oito servidores por suspeita de participação em
um esquema de fraude e superfaturamento em contratos.
Dnit
O Departamento Nacional de Infraestrutura de
Transportes (Dnit) nasceu de um escândalo. Após a descoberta da “máfia dos
precatórios”, no governo FH, o órgão foi criado para substituir o Departamento
Nacional de Estradas de Rodagem, mas também acumulou denúncias.
Valec
A Valec, estatal das ferrovias, há anos está
no centro de casos de corrupção. Em apuração ligada à Lava-Jato, suspeita-se de
propina na obra da ferrovia Norte-Sul. A Camargo Corrêa admitiu ter pagado.
Dnocs
O Departamento Nacional de Obras Contra as
Secas (Dnocs) também já foi alvo de denúncias. Em março de 2013, a Polícia
Federal descobriu uma quadrilha especializada em desviar recursos transferidos
pela União para municípios por meio de convênios R$ 800 mil ao ex-presidente da
Valec, José Francisco das Neves, o Juquinha.
Fonte: G1