BRASIL - BBC Brasil: O senhor é agora
réu em processo por tentativa de obstrução da Justiça nas investigações de
corrupção na Petrobras e decidiu apelar ao Comitê de Direitos Humanos das
Nações Unidas. Por que o senhor decidiu recorrer a essa instância internacional?
Luiz Inácio Lula da Silva: Tem uma coisa muito esquisita aqui no Brasil. Você tem uma
investigação, eu sou vítima de acusações em que você não tem uma única prova.
Eu penso que os procuradores e os delegados que acusaram estão
com uma dificuldade muito grande, e a imprensa numa dificuldade maior, porque
como eles mentiram muito tempo a respeito das acusações, em algum momento isso
vai vir à tona, eles vão ter que provar se procede alguma das coisas que eles
me acusaram.
Por falta de prova, eles começaram a preparar um discurso, que
você deve conhecer bem, que é a teoria do domínio do fato. Ou seja, se o Lula é
presidente, ele deveria saber. Não existe essa de você julgar em tese. Ou você
prova ou não prova. Ou você pede desculpa ou não pede desculpa.
E eu não quero nada, só quero que peçam
desculpas pelas mentiras que contaram a meu respeito. Nós temos uma
força-tarefa nesse processo. Que envolve um juiz, procurador e Polícia Federal.
Então, você não sabe quem investiga, quem acusa e quem vai julgar. Uma mistura,
todo mundo faz tudo.
E eu não quero nada, só quero que peçam
desculpas pelas mentiras que contaram a meu respeito
Então, nós entramos com um processo no
escritório da ONU em Genebra para que a gente mostre que há, no mínimo, uma
certa suspeição no comportamento, ou seja, as pessoas querem transformar uma
mentira que eles inventaram num processo.
Estão procurando razões para justificar o
processo. Eu estou tranquilo, tenho consciência do meu papel nessa história
toda, estou tranquilo porque eles inventaram que eu tenho um apartamento e vão
ter que provar que o apartamento é meu, ou me dar um apartamento.
Disseram que eu tenho uma chácara que eu
frequentava, e a chácara não é minha, a chácara tem dono, foi pago com cheque
administrativo, e acho que em algum momento eles vão ter que dizer: "Olha,
presidente Lula, desculpa, pensávamos que tinha, mas não tem".
A imprensa mentiu muito e não sei se a
imprensa vai ter caráter para pedir desculpas. É por isso que eu recorri a uma
instância das Nações Unidas para ver se existe pelo menos um comportamento
exemplar de uma Justiça a serviço da justiça.
E eu não quero nada, só quero
que peçam desculpas pelas mentiras que contaram a meu respeito
BBC Brasil: O que o senhor acha
que a ONU pode trazer de efeitos concretos aqui no Brasil?
Lula: Eu não sei se pode trazer efeito concreto. O que eu acho é que
pode haver um debate. E esse debate já começou por advogados, sindicalistas e
políticos de outros países. E pela imprensa. Se não fosse a imprensa
estrangeira cobrir com uma certa isenção e autonomia o impeachment da
presidente Dilma, a versão da imprensa brasileira é um horror.
Porque a versão da imprensa brasileira, ela
não quer saber da verdade, ela sabe que a Dilma não tem culpa, sabe que a Dilma
está sendo cassada politicamente e não cometeu nenhum crime, mas finge que não
sabe.
Então graças a Deus, foi através da
imprensa estrangeira que a gente conseguiu fazer com que líderes importantes no
mundo inteiro se dessem conta de que o país está rasgando a sua Constituição,
está rompendo com a nossa democracia incipiente. É isso que eu quero, que haja
um debate no mundo sobre o que está acontecendo no Brasil.
BBC Brasil: O senhor tem falado
muito em uma caça às bruxas, mas por outro lado o senhor tem enfrentado
alegações muito sérias, que precisam ser investigadas.
Lula: Nenhum presidente na história desse país fez o que a presidenta
Dilma e eu fizemos para dotar o Estado de instrumentos de combate à corrupção.
Se você perguntar para qualquer procurador qual foi o governo que mais criou
condições para autonomia do Ministério Público, eles vão dizer que foi o PT.
Se você perguntar para qualquer delegado
qual foi o partido que mais investiu na PF, que mais investiu na inteligência
da PF, eles vão dizer que foi o PT. Se você perguntar quem fez as maiores
transformações na legislação, inclusive com a lei da delação premiada, foi PT
que fez, numa demonstração que o PT entende que a lei é para todos, e que
ninguém está livre de qualquer investigação.
Depois de dez acusações em
horário nobre na televisão ou na primeira página dos jornais, você, mesmo
inocente, estará condenado dentro da opinião pública
O que não queremos e não poderemos aceitar
é que as pessoas façam um pacto com a imprensa, contem mentiras para a
imprensa, ou a imprensa conte mentiras para eles, porque tanto a imprensa serve
alguns procuradores como os procuradores servem à imprensa, tanto o delegado
serve à imprensa quanto a imprensa serve ao delegado. É uma alimentação mútua
na perspectiva de criar fato consumado.
Eu não acho isso um comportamento
inteligente da Justiça. Um comportamento inteligente é aquele que você
investiga, você prova, você acusa, julga, e condena. Um julgamento que não é
inteligente, você faz um pacto com a imprensa, a imprensa faz a manchete de
jornal, ela vai te criminalizando junto à opinião pública sem nenhuma prova.
Depois de dez acusações em horário nobre na televisão ou na primeira página dos
jornais, você, mesmo inocente, estará condenado dentro da opinião pública.
BBC Brasil: O senhor tem dado indicações de que
poderia voltar a se candidatar, mas as pesquisas mais recentes mostram que está
bem atrás daquela popularidade lá em cima de alguns anos atrás, e isso tem a
ver com todas as acusações de corrupção que vem afetando tanto o PT como o
senhor. Como o senhor reage a isso?
Lula: Olha, primeiro eu reajo com muita naturalidade, ou seja, estou há
praticamente seis anos fora da política, até por respeito à presidenta Dilma,
que acho que ela tinha que ter liberdade para governar o país. Então é normal
que a pesquisa não seja mais a pesquisa do ano que eu saí da Presidência, com
87% de "bom e ótimo".
Mas tenho clareza de que na hora que a gente começar a debater neste
país, que a gente começar a mostrar o que o PT fez nesse país, da diferença do
governo do PT com os governos do passado, eu tenho certeza que o povo vai se
lembrar que o que o PT trouxe em 12 anos de benefício para esse povo --com
educação, saúde, trabalho, política agrícola-- eles não fizeram em 200 anos.
Então, eu estou tranquilo que eles não vão conseguir nem criminalizar o
PT, e muito menos criminalizar o Lula. É preciso que a verdade venha à tona e é
isso que estamos buscando, que o Judiciário tenha liberdade, que o Ministério
Público tenha liberdade, e defendo a tese de que toda instituição, quando ela é
forte, ela tem que ser séria.
Na
medida em que a economia não estava bem, na medida em que a pesquisa não estava
ajudando a presidente Dilma, eles resolveram dar um golpe político, um golpe
parlamentar
Os que representam aquela instituição têm que ser sérios, não podem
brincar, não podem mentir. E hoje o que a gente percebe são pessoas se
colocando a serviço de uma revista, de um jornal. Muitas vezes a imprensa
recebe o relatório antes do advogado de defesa. Isso não é inteligência, é
brincar com o direito que todo cidadão tem de ser respeitado pela lei, de ser
investigado corretamente, de ser julgado corretamente. É para isso que brigo, é
por isso que mudei leis neste país, é por isso que a Dilma mudou leis.
Você veja, é tão grave o que esta acontecendo no Brasil que mesmo os 81
senadores, sabendo que a presidente Dilma não cometeu nenhum crime contra a
Constituição, eles resolveram cassá-la politicamente por interesse.
Ou seja, na medida em que a economia não estava bem, na medida em que a
pesquisa não estava ajudando a presidente Dilma, eles resolveram dar um golpe
político, um golpe parlamentar. Imagina se isso prevalece no mundo inteiro.
Cada vez que um governante baixa na pesquisa, a gente manda derrubar o
governante.
Na verdade, não foi a Dilma que foi cassada, o que está sendo cassado é
o voto de 54 milhões de brasileiros que votaram na Dilma. E amanhã os senadores
vão ter que prestar conta aos eleitores, aos seus filhos e netos. Porque eles
não querem ser chamados de golpistas, mas o que fizeram foi dar um golpe na
Constituição e dar um golpe parlamentar contra uma presidenta democraticamente
eleita pelo povo brasileiro.
BBC
Brasil: O senhor tem usado a expressão golpe para falar do que está se passando
com a presidente Dilma Rousseff, mas o senhor também viveu o golpe militar.
Pode-se usar a mesma expressão?
Dá. Da mesma forma como usamos a palavra golpe militar porque foi um
golpe militar em 31 de março de 64, e naquele tempo a gente vivia tempo de Guerra
Fria, havia acusação de que o comunismo ia tomar conta do Brasil, então os
militares e os conservadores desse país deram um golpe para evitar a ascensão
da esquerda neste país. Agora não tem essa razão. O comunismo já não amedronta
mais. Não tem a Guerra Fria.
Por que o golpe na Dilma? Não foi o golpe militar. Foi um golpe
parlamentar. Uma maioria eventual se juntou para tirar a presidente Dilma da
Presidência da Republica. Uma maioria no Senado e uma maioria na Câmara
resolveram afastar a presidenta. O que é um absurdo.
As pessoas que estão fazendo isso não querem que a gente fale golpe,
porque diz que é feio, que não é golpe militar. O presidente interino [Michel
Temer] é constitucionalista. E ele sabe que o que eles estão fazendo é ilegal,
porque a Dilma não cometeu crime e segundo porque é um golpe parlamentar.
BBC
Brasil: O que isso representa para o legado do PT depois de tantos anos, porque
este período está terminando com um quadro bastante ruim, com recessão,
inflação, desemprego aumentando e com a presidente saindo desta forma, com o
impeachment. O senhor tem alguma responsabilidade nesta situação?
Lula: Olha, se fossem tirar os governantes do mundo hoje por conta de crise
econômica, por conta do desemprego, não tinha um governo no mundo. Já tinham
caído todos. O governo inglês, americano, alemão, italiano, francês, chinês.
Porque a crise é geral. E é uma crise causada pela irresponsabilidade do
sistema financeiro que começou com o problema habitacional americano, o subprime, e terminou com quebra do [banco] Lehman
Brothers. A partir daí todos os países entraram em crise.
Quando fizemos o G20 em Londres, em 2009, nós decidimos que, para evitar
uma crise econômica muito grande, era necessário não adotar políticas
protecionistas e aumentar o comércio exterior para poder gerar mais emprego
para as pessoas. Foi feito exatamente o contrário. Cada país tentou se
proteger, a crise aumentou e 90% dos países ainda não resolveram seus
problemas.
Parte
da elite política e econômica desse país não admite a ascensão social dos mais
pobres
Aqui no Brasil a gente poderia não estar em crise. A gente poderia não
estar na situação em que a gente está, porque poderíamos ter tomado decisões
mais rápidas. Mas não tomamos. Agora, não é uma coisa do Brasil. Mas se a Dilma
está se afastando não é por uma questão econômica. É porque uma parte da elite
política e econômica desse país não admite a ascensão social dos mais pobres.
Os mais pobres subiram um degrau na escada social. E isso já começou a
incomodar, porque muito pobre começou a andar de avião, ir a restaurante,
comprar coisa que era só de 30% da população. Pobre na universidade, nós
colocamos em universidade mais jovens na universidade que 100 anos de
conservadores, criamos em 12 anos quatro vezes mais escolas técnicas do que
eles criaram em 100 anos.
BBC
Brasil: Mas essa parcela mais pobre da população que teve ascensão social
também está sofrendo com a recessão. E é difícil argumentar que é uma crise
global porque a situação do Brasil no momento está pior do que em outros
países.
Lula: Onde é que o crescimento foi retomado? Estados Unidos, muito menos do
que se imaginava, na Europa, muito menos do que se esperava. A crise no Brasil
chegou por último. Alguns anos depois que chegou nos EUA e na Europa. O que que
eu acho que o Brasil deveria ter feito? O Brasil tem um mercado interno
extraordinário. São 204 milhões de pessoas.
E defendo a ideia de que os pobres nesse país, toda vez que está em
crise, os pobres são a solução. Basta que a gente permita que o pobre receba o
crédito necessário para poder consumir alguma coisa, e que a gente faça
investimentos necessários em infraestrutura, de que o Brasil tanto precisa.
Isso não foi feito e a gente está pagando o preço por isso.
E o Brasil vai sair da recessão, todos os países vão sair. E o que vai
fazer o país sair da recessão é investimento, consumo e produção. E isso está
diminuindo em tudo que é lugar. O que nós temos que admitir é que só para
resolver o problema do sistema financeiro já foram gastos mais de US$ 13
trilhões, e ainda não resolveu. Se esses US$ 13 trilhões fossem colocados para
financiar desenvolvimento nos países pobres, a gente não teria essa crise
durante o tanto que durou.
BBC
Brasil: Como isso deixa o legado do seu governo? Um pouco atrás estava se
falando no Brasil como superpotência econômica e agora a realidade é totalmente
outra, a recessão no pior nível das últimas décadas. O que isso representa para
o legado dos 13 anos do governo do PT?
Lula: Primeiro nós temos que ter em conta o que aconteceu até 2014. Até
2014, esse país tinha gerado 22 milhões de empregos formais, enquanto na Europa
tinha 100 milhões de pessoas fora do mercado de trabalho. Até 2014, todas as
categorias tiveram reajuste salarial acima da inflação. Até 2014, a massa
salarial brasileira crescia muito e o desemprego era de apenas 4,7%, igual a
Dinamarca, Suécia, Noruega, menos do que outros países europeus grandes.
Então o que aconteceu a partir de 2014 foi isso. É que a presidenta se
deu conta de que o Orçamento tinha diminuído porque ela fez R$ 500 bilhões de
desoneração, ou seja, para manter a economia crescendo.
De repente, a presidenta demorou ou não percebeu que estava entrando
menos dinheiro no caixa e ela foi obrigada a fazer uma proposta de ajuste.
Essa proposta de ajuste foi para a Câmara. Ao invés do presidente da
Câmara [Eduardo Cunha] colocar em votação, ele começou a apresentar pautas
aumentando cada vez mais o gasto, contrário àquilo que a presidente deveria
fazer.
Foi se perdendo a confiança. Os empresários não investiam, o Estado
perdeu capacidade de investimento e nós chegamos a isso.
Eu sou muito otimista com relação ao Brasil. Quando fui em 2009 a
Copenhague para conquistar as Olimpíadas, a gente defendia que o Brasil
chegaria em 2016 sendo a quinta economia mundial. Nós tínhamos passado a
Inglaterra naquele tempo, nós já éramos uma economia mais rica do que a
Inglaterra.
Esse país é muito grande. Não sei se eu sou excessivamente otimista, mas
eu sinceramente acho que é muito fácil fazer o Brasil voltar a crescer. É muito
fácil.
Não
sei se eu sou excessivamente otimista, mas eu sinceramente acho que é muito
fácil fazer o Brasil voltar a crescer
O que precisa é acreditar no Brasil e acreditar que nossa solução está
aqui dentro, confiando no povo brasileiro e fazendo esse país voltar a acreditar
em si próprio como fizemos nos últimos 12 anos.
Não dá para a gente ficar dependendo apenas da economia mundial. Nós
temos um potencial interno muito grande, um mercado interno muito forte e um
povo precisando de muita coisa.
Portanto, é preciso a gente pensar outra vez que o pobre pode ser a
solução do nosso país, e não o problema.
BBC
Brasil: O seu partido vem dizendo que a situação econômica irá se deteriorar se
o presidente interino, Michel Temer, ficar no mandato. Então o recado para
investidores é que se a situação for essa é melhor se afastar do país?
Lula: Pelo contrário. Quando eu fui eleito, em 2002, você sabe o que os
economistas e os especialistas diziam? Que o país não tinha jeito. Que o país
estava quebrado. Que eu não ia conseguir governar o Brasil.
E o Brasil se recuperou, pagou a sua dívida com o Fundo Monetário
Internacional. O Brasil é o único país do G20 que fez superavit primário todo
ano.
Quando
eu fui eleito, em 2002, você sabe o que os economistas e os especialistas
diziam? Que o país não tinha jeito
Quando as pessoas falarem para você que o Brasil tem uma dívida pública
alta, você lembre às pessoas que a Alemanha tem mais do que o Brasil, que os
Estados Unidos em 2007 tinham 64,8% de dívida pública em relação ao PIB e hoje
tem 107%.
E por que aumentou a dívida pública? Para poder fazer a economia
crescer.
BBC
Brasil: A grande questão é que isso foi longe demais e será muito difícil
trazer de volta o equilíbrio econômico.
Lula: É nada. Não é difícil não. Eu, sinceramente, não vou ficar fazendo
profecias aqui porque eu vou esperar o que acontece lá. Não é difícil.
Eu acho que tem uma palavra mágica, que vale para qualquer país do
mundo, que é credibilidade. É preciso recuperar a credibilidade do país no
próprio país. E o importante é fazer que o povo acredite que as coisas vão
acontecer. Se o sistema financeiro não tem crédito, se os empresários não
confiam na política, se o Estado não tem dinheiro para investir, não tem como
acontecer um milagre.
Nós precisamos recuperar a capacidade do Estado de investir, a confiança
para o sistema financeiro fazer crédito e do empresário para investir. E isso
nós já fizemos. É possível fazer.
Quando você tem uma crise no país, a política existe para isso. O
problema não é técnico. Se fosse técnico, eu iria na melhor universidade da
Inglaterra, nos EUA ou na Alemanha, pegaria os dez melhores economistas do
mundo e colocaria aqui. Mas não vai acontecer, sabe por quê? Porque a decisão é
política.
BBC
Brasil: O senhor está falando de credibilidade, mas o problema é que para o PT
é um momento de muito descrédito por causa de todos os escândalos de corrupção
e investigação em andamento. O senhor acha que é o momento de fazer algum
pedido de desculpas?
Lula: Eu não. Quem tem que pedir desculpas é quem está inventando
acusações. Eu vou te dar um dado impressionante. Você sabe qual era a
preferência eleitoral do PT em 2002, quando fui eleito presidente da República?
11%. Você sabe qual é a credibilidade do PT e a preferência eleitoral em 2016?
12%. É o dobro do PSDB. O dobro do PMDB.
Significa que o PT continua sendo o partido de maior credibilidade
eleitoral mesmo depois de sete anos de massacre. Sabe por quê? Porque nós temos
história. E temos vínculo com a sociedade com nenhum outro partido teve.
Obviamente, eu defendo a tese de que toda denúncia de corrupção seja apurada ao
limite máximo e que as pessoas envolvidas sejam condenadas. É isso que eu espero
do Brasil.
O PT
continua sendo o partido de maior credibilidade eleitoral mesmo depois de sete
anos de massacre
É por isso que nós criamos leis. É por isso que nós aperfeiçoamos o
sistema de investigação no Brasil. O que nós queremos é que as pessoas tenham o
direito de se defender. E queremos que as pessoas não sejam condenadas pelas
manchetes de jornais.
Se um jornal inglês fizer cinco manchetes dizendo que você é corrupta,
mesmo você sendo absolvida pela Justiça, você está condenada diante da
sociedade. É isso que está acontecendo no Brasil. O que menos importa é a
investigação. O que mais importa é a especulação.
BBC
Brasil: Do jeito que as coisas estão caminhando, o senhor tem medo de ser
preso?
Lula: Não. Não tenho medo de ser preso. Tenho a consciência de que eles não
têm acusação, da minha inocência. Vamos aguardar com a maior tranquilidade
possível.
Eu não sou o primeiro ser humano a ser vítima de um processo de calúnia
e não serei o último. A história da humanidade está cheia desse tipo de
processo. Eu só encontro uma explicação para tentarem fazer o que estão fazendo
comigo: é tentar tirar o Lula da vida política desse país. Eu que fiz tão bem.
E no
dia da inauguração da Olimpíada eu me senti como o menino do filme Esqueceram
de Mim
A coisa é tão grave que todo mundo sabe o esforço que eu fiz para trazer
essa Olimpíada para o Brasil. E no dia da inauguração da Olimpíada eu me senti
como o menino do filme Esqueceram de Mim.
Ou seja, eu não estava presente numa festa em que fui responsável dela vir para
cá.
Você pergunta se eu tenho lamentações, frustrações. Eu não tenho porque
eu acho que política você não deve fazer esperando agradecimento. A gente faz
política porque a gente acredita, faz política por convicção e eu tenho
consciência de que vai demorar muito para um governante, um partido, construir
um legado como o PT construiu aqui no Brasil.
Porque ninguém nunca cuidou tanto dos pobres desse país como nós
cuidamos. Não é só cuidar materialmente, de melhorar qualidade de vida. É
cuidar da autoestima desse povo. É acabar com esse complexo de vira-lata. O
Brasil passou a ser importante no mundo, interlocutor, protagonista.
Porque eu aprendi desde pequeno que ninguém respeita quem não se
respeita. E eu aprendi a me respeitar desde muito cedo.
BBC
Brasil: O senhor acha que dá para ignorar o fato de que a situação agora é
totalmente diferente de cinco anos atrás, quando era um momento de otimismo no
Brasil? São dois momentos muito diferentes. O legado se perdeu?
Lula: É como se uma pessoa com boa saúde, ficasse doente e perdesse a
esperança que fosse ficar boa outra vez. Até hoje o mundo se lembra do New Deal feito por [pelo presidente americano
Franklin] Roosevelt. E já faz quanto tempo? Foi na década de 1930. E todo
mundo lembra. Aquilo que é bom as pessoas vão lembrar a vida inteira.
Alguém pode querer que as pessoas esqueçam, mas esse país um dia
acreditou que era possível ser diferente e o povo sabe disso.
BBC
Brasil: Neste caso, o problema é que começou com uma esperança de que havia um
futuro promissor e a coisa não se realizou.
Lula: Tem dia que a gente levanta muito bem de saúde e daqui a pouco tem um
infarto. Não significa que a vida acabou. Você vai para o hospital, você volta
e a luta continua.
O Brasil tem potencial econômico, um povo que gosta de trabalhar,
fronteira com 12 países, é um país que estabeleceu relações comerciais com o
mundo inteiro. Na minha opinião é fácil o Brasil se recuperar.
BBC
Brasil: Qual o legado planejado que as Olimpíadas trariam para o Rio durante o
planejamento e como você acha que está no momento atual?
Lula: Você não briga para trazer uma Olimpíada e resolver os problemas
sociais do país. Você briga para trazer uma Olimpíada para fazer uma disputa
esportiva e mostrar o seu país ao mundo e deixar como legado tudo o que você
gastou com as Olimpíadas.
E obviamente que o Rio de Janeiro está muito mais bonito, com muito mais
metrô, com uma cara mais limpa, vai ficar muito melhor.
Resolveu todos os problemas? Não. Mas não era para isso. Nós não estamos
fazendo as Olimpíadas de restauração do bem-estar social.
Eu tenho certeza que o mundo viu o Rio de Janeiro como nunca em 500
anos. Um povo extraordinário, alegre, simpático. As praças esportivas melhores
do que em qualquer país do mundo, Atlanta, Berlim.
Fui à China e as nossas praças esportivas estão muito mais bonitas. Nós
somos capazes.
E isso é o mais importante. Que depois das Olimpíadas o povo vai ter
transporte melhor, praças melhores, obras extraordinárias, espeço público para
eles.
Eu sinceramente acho que ganhamos as Olimpíadas porque a gente estava em
um momento de ascensão econômica e política, e porque a crise nos Estados
Unidos estava maior do que no Brasil. A crise na Espanha era pior do que no
Brasil e nós fomos mais convincentes.
E acho que dificilmente algum país vai conseguir apresentar uma proposta
como a do Brasil porque era 100% paixão, 100% alma e 100% razão.
Lamentavelmente os resultados, tanto na Copa do Mundo contra a Alemanha
e agora nas Olimpíadas, não são aquilo que a gente esperava, mas eu te confesso
uma coisa. Eu faria tudo outra vez. Iria chorar, conquistar a Olimpíada e
participar.
BBC
Brasil: Com a situação que está hoje, o senhor se preocupa com o país no
próximo ano?
Lula: Eu me preocupo todo dia com o Brasil. Eu acho que a gente nesse
instante de crise tem que pensar como sair da crise, não ficar discutindo a
crise.
Eu dizia, no G20 de 2009, que o problema da crise era a falta de
lideranças políticas para decidir politicamente o que tinha que ser feito. E eu
acho que aqui no Brasil a gente poderia ter saído da crise mais rápido.
Quando você demora para tomar uma decisão, pode virar um século. Nós
demoramos, o Congresso quis prejudicar a presidenta. A presidenta e o governo
exageraram na política de desoneração.
É uma lição. A nossa briga agora é para não permitir que os
trabalhadores percam aquilo que conquistaram nos bons períodos do país. Aumento
de salário, programas sociais que não permitiram que a miséria voltasse.
Lamentavelmente, nós estamos com o desemprego crescendo e isso é muito
ruim. O emprego é uma coisa que dá cidadania ao ser humano. O ser humano, se
tem emprego, saúde e salário, ele está muito bem.
Vai
ser um momento importante, um momento histórico porque a presidenta vai ao
Senado se expor. Ela corajosamente vai se colocar diante de seus acusadores
para que o Judas Iscariotes possa acusá-la na frente dela
Eu torço para o Brasil ficar bem em qualquer momento. Porque se o Brasil
estiver mal, eu também estou mal. Se o Brasil for mal, o povo vai sofrer.
Primeiro, eu estou torcendo para dia 29 o Congresso não afastar a Dilma.
Eu tenho esperança. Eu sou um homem de muita esperança.
Vai ser um momento importante, um momento histórico porque a presidenta
vai ao Senado se expor. Ela corajosamente vai se colocar diante de seus
acusadores para que o Judas Iscariotes possa acusá-la na frente dela.
E ela vai tentar mostrar para eles o erro que estão cometendo. Se a
Dilma não conseguir convencer os 28 senadores [número necessário para evitar o
impeachment], ela vai estar fazendo um gesto histórico neste país.
É uma mulher de coragem se expor diante de 81 senadores e ouvir de cada
um, olho no olho de cada um, a acusação e poder, olho no olho, se defender.
Eu quero saber como os senadores vão voltar para casa e olhar para suas mulheres,
filhos, netos. Eles vão ter que reconhecer que ilegalmente eles afastaram uma
pessoa eleita nesse país.
E a história não julga na mesma semana. Às vezes a história demora
séculos para julgar e eu trabalho com isso. A história não termina dia 29. Ela
começa dia 29.
Fonte: entrevista concedida à repórter Júlia Dias Carneiro